
01/05//07
FAMÍLIA,
PSICANÁLISE E SOCIEDADE - Parte Final
A sociedade
Vive-se uma
época de declínio da função
paterna, de um crepúsculo do macho. Em um tempo em
que os ideais estão em franca decadência e
não se articulam em um discurso formador de laço
social, o pai presente na família é demasiadamente
desprovido de recursos, estando facilmente privado de suas
insígnias simbólicas de o representante da
Lei. As transformações presentes na família
pós-moderna propiciam o declínio do viril.
A presença do personagem paterno não é
suficiente para que o Pai Real exista, o que gera conseqüências
graves e o aumento da infração entre crianças
e adolescentes. Por esse viés, a infração
pode ser tomada como um sintoma, como uma forma de responder
ao mal-estar que lhe assolapa. Este sintoma-infração
é uma "reivindicação de uma lei
que regule o sofrimento que daí possa advir"
(GOYATÁ, 1999; 89).
O aumento da
violência e a delinqüência infanto-juvenil
denunciam uma maneira inusitada de organizar-se na teia
social, como uma tentativa do sujeito em ocupar um lugar
que lhe foi, de certa forma, negado: o lugar da ordem simbólica
instaurada pelo Nome-do-Pai. Estando privado das incidências
simbólicas da Lei, esse sujeito vai se fazer valer
pelas leis da realidade representadas pelos agentes educacionais,
judiciários ou policiais.como sustenta Garcia (1997;
41), a violência, por vezes, apresenta-se como a única
forma de expressão do sujeito, quando o ato real,sem
nenhum tratamento pelo simbólico, substitui a palavra.
A sociedade
brasileira é testemunha dessa amarração
" capenga" em torno do Nome-do-Pai: é mendigo
sendo queimado nas ruas, escolas sendo "bombardeadas",
aluno matando professor, crianças e adolescentes
envolvidas no tráfico de drogas e toda uma gama de
sintomas que denunciam a dificuldade de se formar laços
sociais. Esse sujeito infrator não se implica no
seu delito, não se responsabilizando pelo seu ato
infracionário. Isto acontece devido a uma "
falta estrutural de resposta no Outro, que solicita do sujeito
responsabilidade por suas próprias respostas, fica
escamoteada pela falta imaginária desses personagens
que o representam [ os pais]" (BARROS, 1999; 89).
CONCLUSÃO
O que a Psicanálise tem a dizer à sociedade
quando esta a convoca a dar sua contribuição
nos problemas familiares, sobretudo quando estes deixam
o privado e tornam-se públicos? O que se espera do
psicanalista diante da problemática da família?
Santiago (1998;
25) defende que a Psicanálise pode contribuir para
tanto no que diz à interferência “sobre
esta última, da função residual de
transmissão da lei paterna".O analista é
assim convocado a representar tal função pela
reinserção do Nome-do-Pai diante de uma carência
de identificação, por exemplo, da criança
ao pai na família moderna. O psicanalista atua assim
como o Pai Real, como aquele que vai sustentar um limite
frente ao gozo. De alguma forma, o analista fará
o sujeito pagar " ainda que em palavras " possibilitando-o
o trabalho de elaboração de um pró-jeto
de vida, da reconstrução dos laços
sociais e de sua implicação/ responsabilização
pelos seus atos.
Por outro lado,
Garcia (1997; 54) propõe a Clínica do Social,
sustentada por uma ética que avalie o que pode um
sujeito e o que desse poder ele é capaz de querer.
A clínica, nesse sentido, é um método
inserido em uma efetiva estratégia de ação,
"associada agora às necessidades de ordem coletiva,
política, em programas a serem executadas no espaço
urbano da grande cidade".
"Tudo
acontece como se a sociedade não soubesse, mais por
uma impossibilidade de estrutura do que por impotência,
reprimir aos menores, as crianças. E quem não
sabe reprimir, também não consegue reconhecer
um lugar e uma dignidade simbólica" (Contardo
Calligares)
Para saber mais:
SANTIAGO, Jésus. O pai não nos surpreende
mais... . in: Opção Lacaniana. Nº21,
abr. 1998, São Paulo, Eólia.
BARROS, Maria do Rosário Collier do Rêgo. O
mal-estar na família contemporânea: do privado
ao público. In: Documentos de trabalho nº 1
para a jornada do dia 25 de abril de 1999. belo Horizonte:
Instituto do Campo Freudiano/ CIEN, 1999.
FREUD, S. a dissolução do complexo de Édipo.
In: Edição Standard brasileira das obras completas
de Sigmund Freud. V. XIX. Rio de Janeiro: Imago, 1999.
GARCIA, Célio. Clínica do social. Belo Horizonte:
Mestrado em Psicologia Social/ UFMG, 1997.
GOYATÁ, Martha Célia Vilaça. O sintoma
e a lei. In: Documentos de trabalho nº 1 para a jornada
do dia 25 de abril de 1999. belo Horizonte: Instituto do
Campo Freudiano/ CIEN, 1999.
DÖR, Joel. Introdução à leitura
de Lacan: o inconsciente estruturado como linguagem. Porto
Alegre: Artes Médicas, 1989.
EIGUER, Alberto. Um divã para a família. Porto
Alegre: Artes Médicas, 1985.
LACAN, J. os complexos familiares na formação
do individuo. Rio de Janeiro: Zahar, 1987.
_________. Duas notas sobre a criança. In: opção
Lacaniana:revista brasileira internacional de psicanálise.
Nº 21, abr. 1998. são Paulo: Eólia.
ATIENCIA, Jorge. Pessoa, casal e família. In: MALDONADO,
Jorge (org.). fundamentos bíblico-teológicos
do casamento e da família. Viçosa, Ultimato:
1996.
CALLIL, Vera L. Lamanno. Terapia familiar e de casal. São
Paulo: Summus, 1987.
SALOMÃO, Janice. Família, realidade que se
constrói. São Paulo: Paulinas, 1978.
PETTERSEN, J. Allan. Como eliminar o stress na família.
Rio de Janeiro: JUERP, 1990.
ARIÉS, Philippe. História social da criança
e da família. Rio de Janeiro: Zahar, 1981.
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Cássio
Miranda é psicanalista, doutorando em Letras
pela UFMG e escreve todas as terças. E-mail: cassioedu@oi.com.br
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