
03/09/07
Sobre coadjuvantes em monólogos
Ah, sei lá! Eu não sei explicar. Você
abre um caderno, vê uma foto que não tem nada
a ver, rabisca uma folha, faz desenhos incompreensíveis
enquanto está ao telefone. Ou então acontece
quando você passa em frente a uma lanchonete e vê
como todos inventam o sentimento de fome, tão-somente
pelo preço que se traduz em centavos. Sabe, não
há uma lógica, nem existe regra para que boas
recordações saltem à frente de nossos
compromissos com a rotina. Entende? Só sei que acontece.
Bom, e não é
de sacanagem que a imagem dela me vem à cabeça,
nem por algo mal resolvido. Aliás, que grande chatice
essa história de lembrar-se de alguém tornar-se,
o tempo todo, alvo de análises de pessoas preocupadas
em testar, justamente em você, o talento que não
têm em psicologia, psiquiatria ou análise comportamental.
Chega a ser comovente como todos já são amplamente
rasteiros e suficientemente ‘antoniorobertizados’
para ter sempre conclusões frágeis e previsíveis
sobre qualquer um. “Come demais? Ansiedade”.
“Não plantou uma árvore? Infeliz”.
“Conversou com a ex? Recaída”.
Quer saber? Não se engane!
É incrível, sim, trazer à tona bons
momentos, que não indicam fragilidade emocional ou,
necessariamente, precisam significar o que quer que seja.
Mas, no fim das contas, o fundamental mesmo é perceber
que o poder dado à avaliação dos outros
é o responsável pela instauração
do paradigma da insegurança – no sacrilégio
que é colocar em dúvida o que sente com base
no depoimento de um terceiro.
Enfim, talvez todos fossem
mais felizes se enxergassem as boas lembranças como
registros sensoriais de vida bem vivida, de momentos bem
aproveitados. Talvez você conseguisse levar uma vida
mais leve, se pensasse que uma boa lembrança não
significa o passo definitivo para a vulnerabilidade, mas
para validar o lado bom da experiência que teve (e
os frutos que dela surgiram). Justamente porque você
é, hoje, o resultado de tudo o que viveu –
queira você ou não.
Agora, responda com sinceridade:
ainda vale a pena escalar coadjuvantes para participar de
seu monólogo?
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Guilherme Amorim
é um mineiro simples, metido
a organizado e que sobrevive sem estantes. Além de
devoto da Mega Sena, irônico e canhoto fervoroso,
é jornalista. Escreve mensalmente na coluna Trejeitos.
E-mail: guilbh@gmail.com
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