
02/10/07
Trio parada dura
O mundo todo ouviu falar,
nos últimos dias, de uma terra jogada num rincão
asiático. Espremido entre montanhas, pântanos,
a China, a Tailândia e plantações de
arroz, o remotíssimo Myanmar virou tema até
de conversas de bar. As imagens da força-bruta com
que o regime militar reage aos manifestantes que clamam
por liberdade correram o planeta, e os monges que estão
à frente do movimento mostraram que nem apenas de
serenidade vive o budismo.
Mas, no meio de mais um desrespeito à espécie
humana impingido pelos comandantes fardados, um fato se
mostra extraordinário. Poderíamos saber o
que se passa na antiga Birmânia, mas caso não
houvesse imagens, possivelmente pequena seria nossa reação.
Contudo, por meio de gravações feitas com
câmeras digitais enviadas pela internet, a realidade
dos orientais chega aos nossos sofás, nossos computadores,
nosso imaginário. Um dos motivos que nos aproximam
de pessoas tão diferentes é a lembrança
de também termos sido, durante muito tempo, reprimidos
por forças que se diziam responsáveis pela
segurança nacional. Aliás, “Segurança
Nacional”, pois o conceito é tão amplo
quanto doutrinário/doutrinador.
Reflexões sobre o poder da globalização
e da expansão da tecnologia de comunicação
são tão antigas quanto os Tigres Asiáticos
e a máquina de fax (vedetes dos anos 90), mas desnudam
algo realmente poderoso: a nossa incapacidade de ação.
Qual sempre foi o peixe vendido pela democracia? “Você
pode mudar as coisas... você pode fazer a diferença...
você tem que votar certo... e criar um mundo mais
justo!”. Aos fatos: a China e a Rússia, integrantes
do Conselho de Segurança da ONU, não apoiaram
a resolução da mesma que imporia sanções
a Myanmar, um dos poucos instrumentos que a fragilizada
Organização das Nações Unidas
pode utilizar para tentar fazer alguma coisa. Que o governo
chinês não apóie sanções
contra um governo militar aliado ao seu é algo mais
do que tranqüilo para minha compreensão, assim
como os representantes da Mãe Rússia, já
que os dois países são a antítese do
que podemos conhecer como liberdade individual, democracia
e outros conceitos que me parecem cada vez mais utópicos
(ou seriam falaciosos?). O que me deixa consternado é
o Brasil, arauto da ONU e país que, todos os anos,
faz o discurso de abertura da Assembléia Geral da
organização, ter se reservado ao papel de,
na contramão nações como França,
Alemanha e EUA, se recusar a repreender o que acontece em
Myanmar.
A lógica diplomática funciona num outro nível
de análise. Significativo é que o Itamaraty
sempre apoiou as resoluções contra as ações
de Israel nos territórios palestinos, se posicionou
a favor de sanções ao Iraque, ao Sudão,
etc. Porém, quando o assunto é em relação
aos temíveis chineses, colocamos o rabo entre as
pernas e fingimos que nada acontece. Aí é
que está: as pessoas “comuns” vêem
o que se passa na longínqua terra birmanesa e se
indignam. O Itamaraty, não. Liberdade nos olhos dos
outros é refresco.
É uma pena que, apesar de grande incentivo mundial,
a causa justa dos ideais da “revolução
açafrão” deverá fracassar. A
junta militar se perpetuará mais algum tempo no poder
em Myanmar, sob a leniência de China, Rússia
e Brasil. Não por acaso, três grandes nações
que já passaram, ou ainda se encontram, numa estrutura
ditatorial. A globalização nos mostrou o que
acontece, mas ainda apenas observamos as situações.
Não temos influência sobre elas. A liberdade
se resume ao You Tube.
Leia
também:
25/09/07
- O Sol se põe nos Andes
18/09/07-
Nota da Semana
11/09/07
- O início
da Era de Aquário
04/09/07
- 185 anos. E
eles não querem ser iguais a nós
28/08/07
- Vinde a mim as criancinhas
21/08/07
- A catástrofe à beira do Pacífico
14/08/07
- Você conhece Ban Ki-Moon?
__________________________________________________
Ivan Bomfim
é jornalista, graduando em História e pós-graduando
em Relações Internacionais. Busca compreender
o mundo contemporâneo, mas sempre com um olho na História,
afinal "o presente é o reflexo do passado".
Fale com ele pelo email: ivanjornalista@yahoo.com.br
|