
19/09/07
Devorar é preciso (II)
De Paris - França
Em O Futuro de uma ilusao,
Freud sustenta que em um dado momento da história
a religiao fracassaria, uma vez que a mesma, sendo uma ilusao,
daria lugar á discursos mais racionais, que resolveriam
as dificuldades da humanidade. Sendo a religiao uma ilusao,
a mesma representa um estado imaturo da humanidade e o progresso
da ciencia e da educacao garantiria a maturidade da humanidade
e, portanto, a derrocada da religiao.
Como se sabe, a religiao nao
fracassou, nao houve o fim da religiao, mesmo com os avancos
incontestaveis das ciencias. Pelo contrário, a ciencia
avanca e proporcionalmente a religiao tambem avanca, uma
vez que a ciencia nao conseguiu eliminar o mal-estar na
cultura e nao deu ao homem a tão sonhada paz. Por
outro lado, vemos um incessante crescimento dos movimentos
religiosos e o psicanalista francês Jacques Lacan
sustenta que a religiao triunfa porque produz significantes
e enche o mudo de significados, como uma espécie
de transbordamento do simbólico.
Disso tudo, o que se pode extrair?
É que o transbordamento de significados da religiao,
que não é de hoje, concedeu ao homem um modo
peculiar de lidar com os pecados capitais: primeiro foi
o de nomear cada uma das pulsoes devoradores do homem e,
ao mesmo tempo, garantir um modo de virtude (combate-se
pelo nome um pecado, pois há nomeado uma virtude
que lhe seja compensatória). Em segundo lugar, com
uma sacada interessantíssima foi a associação
de cada um dos pecados com um tipo de demonio.
Um teólogo de origem
saxonica Peter Binsfield comparou cada um dos pecados capitais
com seus respectivos demônios. Assim, temos Asmodeus
do lado da luxúria; Belzebu do lado da Gula (Belzebu
é o príncipe dos demonios); Mammon ( o deus
das riquezas) do lado da avareza, Belphegor como o demonio
da preguica; Satã, como o representante da Ira, Leviatã,
O invejoso e Lucifer, aquele que quis ser igual a Deus como
o dono da vaidade, ou do orgulho.
Estratégia inteligente,
nada mais psicanalitica que isso, que é a de nomear,
de dar nomes. A Clínica da nomeacao é aquela
clínica que consiste em emprestar significantes ao
sujeito afim de que ele consiga pelo menos Saber-fazer com
seu sintoma. Trata-se de uma clínica que parte sempre
da lógica do significnte e consiste, inclusive, no
dizer de Jorge Forbes, de emprestar consequencias.
O que a nomeação
tenta fazer é impedir que o sujeito seja devorado
por um modo de gozo que lhe é peculiar e, no caso
dos transtornos alimentares, um modo de gozo devorador.
No que respeita aos transtornos
alimentares, segunda psiquiatria contemporânea, os
mais conhecidos são a anorexia e a bulimia e fazem
o sujeito desenvolver uma relação doentia
com a comida - ou empanturram-se com até 15 mil calorias
em uma única refeição para depois colocar
tudo para fora -caso da bulimia- ou ficam dias sem comer
-na anorexia. Os portadores de tais transtornos, segundo
ainda a psiquiatria, desenvolvem uma obsessão pela
forma física e distorcem a auto-imagem a tal ponto
que se sentem gordos mesmo estando com 38 kg. O resultado
é a crescente deterioração física
e mental, que começa com sintomas leves como queda
dos cabelos até complicações cardiovasculares,
renais e endócrinas graves que podem levar a morte.
Em síntese, pode-se dizer: Os Transtornos Alimentares
são definidos como desvios do comportamento alimentar
que podem levar ao emagrecimento extremo (caquexia) ou à
obesidade, entre outros problemas físicos e incapacidades.
Os principais tipos de Transtornos Alimentares são
a Anorexia Nervosa e a Bulimia Nervosa. Essas duas estão
intimamente relacionadas por apresentarem alguns sintomas
em comum: uma idéia prevalente envolvendo a preocupação
excessiva com o peso, uma representação alterada
da forma corporal e um medo excessivo de engordar. Em ambos
os quadros os pacientes estabelecem um julgamento de si
mesmos indevidamente baseado na forma física, a qual
freqüentemente percebem de forma distorcida.
De acordo com uma pesquisa
realizada em 2002 pela UNIFESP -Universidade Federal de
São Paulo- com 133 praticantes de ginástica
olímpica, nadadoras e garotas que fazem aulas de
educação Física na escola, entre 11
e 19 anos de idade, o que rege a lógica dos transtornos
alimentares é a obsessão pela forma física
perfeita. Resultado: 74% das ginastas, 56% das nadadoras
e 58% das demais confessaram o temor. Não é
a toa que elas comem menos do que deveriam - 41% das ginastas
fazem dieta, por exemplo. No cardápio da maioria
faltam cálcio e carboidrato. Esses comportamentos,
porém, podem ser um sinal de alerta para um problema
mundial que atinge 1% da população feminina
entre 18 e 40 anos e pode levar à morte. Mas que
só agora começa a receber a atenção
devida no Brasil, é o que sugere a pesquisa.
Mas, vamos continuar na semana
que vem, direto da Maison de la Radio, de Paris, pois, devorar
é preciso!
P.S: vou ali comer meu sanduíche!
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Cássio
Miranda é psicanalista, doutorando em Letras
pela UFMG e escreve todas as terças. E-mail: cassioedu@oi.com.br
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