
06/03/07
Amores orbitais
e outros amores
"O nosso amor a gente inventa
Pra se distrair
E quando acaba, a gente pensa
Que ele nunca existiu".
Como
se sabe, a contemporaneidade é freqüentemente
definida como um tempo de constante crise nas relações
e nos mais diversos segmentos da sociedade: crise no casamento,
na instituição familiar, nas instituições
sociais e públicas, crise...
Parece,
desse modo, que a palavra crise é o significante
mestre de um tempo atual repleto de sinais confusos, propenso
a mudanças rápidas e imprevisíveis.
Se tais características marcam o tempo presente,
pensar no amor e seus efeitos é um ponto oportuno
de discussão em torno das relações
humanas, pois é exatamente em torno dos efeitos (?)
disso que se chama pós-modernidade que as relações,
hoje, são vivenciadas.
Em
um recente livro publicado pela Jorge Zahar, Zygmunt Bauman,
sociólogo europeu, define a modernidade como líquida
e traz consigo uma acentuada fragilidade dos laços
humanos, o que o autor denomina de amor líquido.
Homem
sem vínculos, conectado em redes, com dificuldades
de comunicação na era da comunicação,
isolado e desbussolado. É esse o homem mapeado por
sociólogos, antropólogos e confirmado na clínica
psicanalítica: um sujeito marcado pela inoperância
dos laços sociais, vazio e só, no entanto,
vivenciando amores instantâneos e nômades.
Por
quê amores nômades, instantâneos e desconectados?
Sujeitos que se queixam constantemente de seu estado de
solidão são lançados em uma busca desenfreada
pelo amor orbital, que circula pelas redes e é facilmente
conseguido nos diversos pontos da sociedade. Os amores conseguidos
em um simples click, ou construídos a partir de um
jogo imaginário ocorrido em uma sala de bate-paopo
são freqüentes e tornaram-se um modo de gozar
corriqueiro. De uma juventude transviada nos anos 60, passamos
a uma juventude nômade, no início do nosso
século.
Parece-nos
que o projeto moderno em torno dos ideais românticos
de amor absoluto e eterno, com suas outras derivações
fracassou. No entanto, o amor não fracassou, mas
assumiu uma nova configuração que veio como
efeito dos novos modos de vida da juventude.
Amores
orbitais? Sim, amores que a contemporaneidade favoreceu
e até mesmo promoveu o isolamento e a atuação
em separado de elementos até então ligados
pela libido.Como conseqüência, em um tempo em
que o Outro não existe, uma revivescência do
individualismo aparece, inclusive na forma muito particular
em que cada um tornou-se empresário de seu próprio
desejo. Se até meados do século XX a moral
sexual civilizada se apresentava como uma norma imperativa
e ainda era fonte de repressão, de impedimento, sobretudo
da sexualidade através de um imperativo do "não-gozar",
a contemporaneidade funciona pelas vias da inexistência
de tais ideais e sob o imperativo do "mais-gozar".
Atualmente
é muito comum os adolescentes fazerem queixas nos
consultórios relacionadas à impossibilidade
de realização na vida amorosa. Por paradoxal
que pareça, ao mesmo tempo em que a gestão
do desejo encontra-se cada vez mais nas mãos dos
jovens, por outro lado, tal gestão torna-se fonte
de insatisfação, uma vez que, com a queda
das grandes certezas e dos ideais que até certo ponto
orientavam a vida, os jovens não conseguem sustentar,
pelas vias do amor, uma relação.
Para
a psicanalista Ana Lydia Santiago, as queixas evidentes
dos jovens quanto ao fato de "estar avulsa, de novo!",
"fiquei, rolou, mas não vai pra frente",
são manifestações que traduzem algo
que é da ordem de um mal-estar que acompanha o individualismo
contemporâneo, o individualismo de massa.
Há
saída? O psicanalista francês Jacques Lacan
nos diz que a saída para os amores orbitais, aqueles
que circulam nas malhas e na teia social e não fazem
vínculo encontra-se, na verdade, no próprio
amor, em um amor que é da ordem do inusitado e se
constitui como uma invenção que o sujeito
faz. Se "o nosso amor a gente inventa", podemos
pensar também que "o amor inventa a gente".também
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Cássio
Miranda é psicanalista, doutorando em Letras
pela UFMG e escreve todas as terças. E-mail: cassioedu@oi.com.br
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