
07/08/07
Orgulho gay, identificação
e liberdade de orientação sexual
Depois de um longo e rigoroso
inverno, estou de volta. Fiquei um mês sem produzir
em função de uma série de questões,
mas fui levado a pensar em diversas manifestações
ocorridas nos últimos dias, no que diz respeito à
vida sexual das pessoas e, de modo mais específico,
à vida homossexual.
Em São Paulo um juiz de direito tem uma atitude considerada
homofóbica e é “repudiado” até
mesmo pelo ministério da justiça. Em todo
o país, no mês de julho, comemorou-se o dia
do orgulho gay. Em São Paulo, onde a atitude considerada
homofóbica ocorreu aconteceu a maior parada gay do
mundo. Contradições à parte, quero
pensar nas contradições existentes naquilo
que costumeiramente convencionou-se chamar de liberdade
de orientação sexual, possibilidade de escolha
da vida sexual, orgulho gay ou qualquer coisa do gênero.
Uma revista eletrônica direcionada ao público
gay lançou, nesta semana, uma matéria tratando
dos gays que não são gays: “Eles não
apreciam Madonna, desconhecem a última coleção
da Prada, nem vão às baladas GLS. No entanto,
sabem a diferença entre uma chave de fenda e uma
inglesa, conseguem detectar um problema no carro pelo ruído
e até gostam de jogo de futebol. Eles são
gays, mas se intitulam em alto e bom tom como sendo “fora-do-meio’”.
Segundo a revista, os denominados “fora-do-meio”
podem ser encontrados em diversos lugares, tais com salas
de bate-papo, sites de relacionamentos - onde evidenciam
sua condição.
A revista qualifica os “fora do meio”, a partir
da citação de discurso de autoridade, como
enrustidos, pois não “curtem” o mundo
GLS, acreditam estar fora da cultura gay e julgam os gays
que freqüentam o “meio” como “bichinhas”,
“afetados”, promíscuos, etc. Enfim, há
uma cultura de discriminação que parte dos
“fora-do-meio” e também uma cultura de
discriminação dos que estão “no
meio”, como é o caso do veículo citado.
Uma questão que se impõe é a seguinte:
ser fora do meio é suficiente para garantir a virilidade,
uma “contra-cultura” gay e a não-promiscuidade?
Se o mundo virtual possibilita uma série de encontros
fortuitos – e ás vezes relacionamentos duradouros
-, a promiscuidade no mundo gay não está restrita
aos guetos homossexuais, como os “fora do meio”
dizem freqüentemente dos bares e boates gays. O que
constrói uma cultura gay? Não seria também
a Internet mais um local em que os do meio freqüentam
formando, portanto, um gueto? Freqüentar teatros, assistir
a filmes “cults”, ir a exposições,
a um bom restaurante ou coisa parecida garante que um homossexual
seja fora-do-meio? Freqüentar ambientes GLS garante
que alguém seja assumido? O que é ser homossexual
assumido? Levantar “bandeira”? O que a psicanálise
pode auxiliar na compreensão da “cultura gay”
e do amor homossexual?
O individualismo de massas constitui-se como um tipo de
individualismo exacerbado, mas que nivela a todos por baixo,
no sentido de colocar o sujeito em uma série, massificado
por ideais identificatórios. Melhor dizendo: o sujeito
se vê obrigado a se identificar com algum significante
neste mundo individualizado. Assim, o significante Gay passa
a ser um ponto de identificação comunitária,
orientada pelo binômio prazer-liberdade. Basta, para
tanto, lembrar-se que gay, em inglês, dentre
vários significados, tem também o sentido
de alegre, dado aos prazeres, etc. Sendo assim,
podemos pensar que os chamados “guetos” –
ou o “meio”, nada mais são que um conjunto
de sujeitos que se identificaram uns com os outros em seu
ego, porque colocaram o mesmo objeto – no caso a cultura
gay – como seu ideal.
Para a psicanálise, a posição homossexual
é diferente da posição gay. Posição
homossexual aparece como uma solução, com
aquilo que o sujeito vai fazer com um determinado modo de
gozo, diante da impossibilidade da vivência total
da sexualidade. Por outro lado, conforme já dito,
a posição gay liga-se à posição
de uma identificação comunitária. Para
Lacan, a questão maior que se impõe ao gay
é, dentre outras, a questão do narcisismo
presente na subjetividade gay. O gay busca, então,
alguém que reflete aquilo que ele é, inconscientemente,
e quando o sujeito gay se depara com uma falha na imagem
refletida no outro, isso se torna insuportável e
a ruptura é o caminho mais comum. Por outro lado,
o homossexual serial aquele que suporta a diferença,
daí a célebre frase de Lacan: “Chamamos
heterossexual (...), aquele que ama as mulheres, independente
de qualquer que seja o seu sexo próprio”.
A psicanálise não teme o novo amor e o amor
homossexual pode estar do lado do novo amor. O que a psicanálise
quer fazer, no que tange à homossexualidade, é
oferecer ao sujeito possibilidades de construir um caminho
menos alienado - o que a cultura gay pode fazer –
uma vez que o mundo oferece formas prontas de prazer de
sofrer. Desse modo, para a psicanálise, a verdadeira
liberdade de orientação sexual encontra-se
na possibilidade que o sujeito tem de desejar – e
o desejo está muito além da vontade -, na
possibilidade que o sujeito tem de construir percursos menos
alienantes e, sobretudo, vivenciar sua sexualidade suportando
a diferença no outro.
No mais, gerais.
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Cássio
Miranda é psicanalista, doutorando em Letras
pela UFMG e escreve todas as terças. E-mail: cassioedu@oi.com.br
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