Terça-feira -24/04//07
FAMÍLIA, PSICANÁLISE E SOCIEDADE – Parte 2

A contribuição de Jacques Lacan

Família - Picasso (reprodução)
Em Os complexos familiares na formação do indivíduo, Lacan argumenta que a família deve ser entendida enquanto um complexo, sendo este algo que “reproduz uma certa realidade do ambiente” (LACAN, 1987; 20). Tais complexos desempenham um papel de organizadores no desenvolvimento psíquico tendo o sujeito consciência do que ele representa. Todavia, um complexo deve ser definido essencialmente como um fator inconsciente tendo uma representação conhecida por Imago (1).

Para Lacan, toda formação do sujeito desejante exige a presença do Pai como agente da castração, como aquele que o seu nome é “o vetor de uma encarnação da Lei no desejo” ((LACAN, 1998; 5-6). A encarnação da Lei no desejo nasce desse pai que constitui um orientador de um desejo situado em algum lugar.

Em um dado momento da evolução edipiana, a criança é conduzida a associar a ausência da mãe com a presença do pai. O pai é então visto como um objeto fálico rival e, posteriormente, como aquele que detém o falo. Neste instante ele é convidado a intervir na relação dual da criança com sua mãe e o Nome-do-Pai passa a ser associado à Lei simbólica que ele encarna. Assim, o “Nome-do-Pai é uma designação endereçada ao reconhecimento de uma função simbólica, circunscrita no lugar de onde se exerce a lei” (DÖR, 1989; 92), sendo esta designação o produto de uma metáfora, ou seja, um novo significante o qual a criança substitui o significante do desejo da mãe. Desse modo, a metáfora paterna exerce uma função estruturante, uma vez que é fundadora do sujeito psíquico enquanto tal.

“a loucura começa na família”
Usuário do serviço de saúde mental

É na trama familiar que há a irrupção da loucura. A clivagem psíquica da qual o sujeito é acometido surge em decorrência da metáfora paterna, pelo processo de forclusão do Nome-do-Pai, o que impede a possibilidade de acesso do sujeito ao simbólico. A forclusão do Nome-do-Pai “neutraliza o advento do recalque imaginário, provoca (...) o fracasso da metáfora paterna, e compromete gravemente para a criança o acesso ao simbólico, barrando-lhe mesmo esta possibilidade” (DÖR, 1989; 98). Não havendo um corte na relação dual imaginária da criança com sua mãe, não há possibilidade de circulação da Palavra do Pai e ao lugar que esta, enquanto autoridade, ocupa na promoção da Lei.

Eis o louco! Aquele que não foi castrado. Aquele que negou radicalmente a castração do Outro. “Forcluiu”, por sua vez, o Nome-do-Pai não restando qualquer traço ou vestígio dessa negação. Entretanto, nesta estrutura – psicose – aquilo que foi negado no simbólico retorna do Real sob a forma de automatismo mental, tendo como expressão principal a alucinação.

O Nome-do-Pai, juntamente com o Desejo da Mãe e os objetos é que constituem, para a psicanálise, a família. Esta não tem origem no casamento e não é formada pelas relações de consangüinidade, mas antes pelo romance familiar instaurado a partir da tríade edipiana.

Em Freud todo ser humano deve sua origem a um pai e a uma mãe, não tendo como escapar dessa triangulação que constitui o cerne do conflito humano. Tal triangulação incide por toda a existência do sujeito,sendo uma história – de amor por excelência – que definirá a estrutura psíquica do sujeito e o seu acesso ou não ao simbólico. Esta trama edípica se finda motivada pela ameaça de castração, onde o menino renuncia os desejos genitais-incestuosos pela mãe.Ao mesmo tempo, há um abandono de sentimentos hostis contra o Pai-rival e a criança identifica-se com o mesmo e entra no período de latência. Ao ver-se sob a ameaça de perder o seu pênis o menino abre mãe da satisfação incestuosa com a finalidade de preservar o seu bem-amado órgão:

“se a satisfação de amor no campo do complexo de Édipo deve custar à criança o pênis, está fadado a surgir um conflito entre seu interesse narcísico nesta parte de seu corpo e a catexia libidinal de seus objetos parentais. Nesse conflito, triunfa normalmente a primeira dessas formas: o ego da criança volta as costas ao complexo de Édipo”
(FREUD, 1990).

Desse modo, a psicose surge da não-aceitação da castração, como já dito, da forclusion do Nome-do-Pai. Algo no drama familiar falha impedindo que a castração se instaure, havendo, dessa forma, a recusa desta castração. Todavia, essa castração do sujeito pode acontecer de forma fragilizada, promovendo a formação de um Superego enfraquecido e de uma amarração bamba em torno do Nome-do-Pai.

Agora, no entanto, o que desafio que se tem é verificar como a precariedade do Pai aparece na sociedade e nos fenômenos sociais contemporâneos.

(1) Laplanche define imago como “um protótipo inconsciente de personagens que orienta seletivamente a forma como o sujeito apreende o Outro;é elaborado a partir das primeiras relações intersubjetivas reais e fantasísticas com o meio familiar”.


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Cássio Miranda é psicanalista, doutorando em Letras pela UFMG e escreve todas as terças. E-mail: cassioedu@oi.com.br

 
 

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