Quem nunca ouviu falar de alguém que não pisa na cidade maravilhosa por medo? Tudo que a mídia mostra como sendo Rio de janeiro.
Sempre discordei dessa visão pessimista da cidade. Tudo que é mostrado existe, mas a forma como é transmitido é exagerada, ridícula em certos pontos.

Tela: Favela em chamas,1998, RAYMOND PIPER

 

25/08/07
Qual a sua percepção sobre o Complexo do Alemão?

E ai? O que você pensou sobre o Complexo do Alemão quando leu a chamada desse texto? Vou deixar um espaço aqui para você pensar a respeito. Finja que a tela é um espaço de folha em branco. Escreva todos os seus pensamentos aí para depois continuar a ler.

Imagino que seus pensamentos tiveram as seguintes linhas: morte, violência, tráfico de drogas e talvez polícia corrupta. Todos eles na proporção de uma guerra civil, imagino. Bom, se você não pensou nada disso, você é uma exceção, ou, um dos 250.000 moradores, de uma das trezes favelas que compõem o complexo. Mas, já parou para pensar no papel do dessa região na nossa sociedade? E por que ele ocupa um espaço tão grande na mídia?
Vamos colocar aqui o seguinte: maioria da população do nosso país, quando adquirem informações, as obtém através dos maiores mídias. Folha de S. Paulo, O Globo, Estado de Minas, Veja, Época, entre outros. Pouquíssimos buscam se informar através de mídias alternativas o Binóculo, por exemplo. Logo, para quem assiste o Jornal Nacional, aquela é a verdade do país. As imagens de guerra no subúrbio do Rio de Janeiro se tornam a representação da cidade.

Quem nunca ouviu falar de alguém que não pisa na cidade maravilhosa por medo? Posso citar vários aqui. Como conheço também, diversas pessoas que nunca foram à cidade e imaginam que lá é só carnaval, futebol, bala perdida e mulher pelada. Tudo que a mídia mostra como sendo Rio de janeiro.
Sempre discordei dessa visão pessimista da cidade. Tudo que é mostrado existe, mas a forma como é transmitido é exagerada, ridícula em certos pontos. Parece que você vai andar pela cidade e topar com um traficante com arma na mão a cada esquina, que vão explodir bombas em cada passo que você der, e que você vai sofre seqüestros relâmpagos a cada 15 minutos, além de ter que sambar para desviar das balas perdidas.

A “Caros Amigos” desse mês, trouxe uma matéria que derruba um pouco esse estereotipo da cidade, mais especificamente do Complexo do Alemão. O repórter Marcelo Salles entrou na comunidade para descrever como funciona a organização daquela sociedade e para transmitir o lado humano de um dos locais mais injustiçado pela mídia brasileira.

Em sua reportagem ele começa descrevendo o cenário da favela da Grota (uma das treze que compõe o Complexo). Vendedores ambulantes, soldados camuflados (somente na entrada da favela), becos apertados, além da precariedade de alguns locais da comunidade. “No trajeto é possível perceber que alguns pontos não possuem saneamento adequado e o esgoto corre à céu aberto, por vezes espirrando do chão de cimento”, descreve Salles.

O jornalista também faz uma denúncia, que surpreendentemente nunca foi manchete de jornal. “HÁ APENAS TRÊS ESCOLAS EM TODO O COMPLEXO DO ALEMÃO E NENHUM HOSPITAL OU POSTO DE SAÚDE, COMO NÃO HÁ LIVRARIA, BIBLIOTECA, CINEMA OU TEATRO”. Não daria uma manchete? Seria mais plausível e útil do que “MAIS MORTE NO ALEMÃO”, não?

Marcelo em sua reportagem aborda outro ponto nunca citado pelas matérias dos “excelentes” jornalistas “globais”. Ele visita o Grupo Cultural Raízes em Movimento que tem sede na comunidade. Alan Brum, coordenador desse Grupo, comenta que no Complexo do Alemão existem 450 traficantes, um número insignificante para o tanto de gente que mora na comunidade. Mostrando que existem ações sociais e que poderiam existir mais, caso não fosse o medo e o estigma violento implantado pela mídia na sociedade externa ao complexo.

Um aspecto curioso, e que pode definir o por que da paixão dos mídias pelo complexo, é o fato de ter sido lá que o jornalista da Rede Globo, Tim Lopes, foi assassinado. A partir de então, o complexo nunca mais saiu das páginas policias. Uma perseguição?

Na reportagem são enfocados diversos outros pontos que não estão nas páginas dos jornais diários. O jornalista se transformou em antropólogo para mostrar a comunidade. Provavelmente poucas pessoas vão se interessar por essa reportagem, pois, notícia boa, não vende. Soa como mentira para muitos, que só querem ver morte, sangue e bandido morto. Está na hora da sociedade mudar de foco, adquirir um pouco mais de maturidade e parar de achar que a vida é um filme americano, cheia de tragédias, mortes e quedas de avião.


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Marcelo Valadares é jornalista e escreve aqui todos os sábados.




   
 
 

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