
06/08/07
O
pan do dia-a-dia
Um dia normal. Não de
treino, mas de competição, na raça,
disputando com a vida mais uma semana. Abriu os olhos e
viu no relógio a hora de sempre: 5h45. Depois de
uma rápida conversa com Deus (Ele entenderia), foi
para a cozinha ajeitar o café. Tomou uma ducha, acordou
as crianças, as aprontou para o colégio. Já
estavam atrasados, quando conferia as mochilas e tentava
resolver a briga que se estabeleceu por conta de um lápis
trocado.
O marido já devia estar
chegando da fábrica. O turno da madrugada quase não
permitia que ele visse os filhos. Antes de sair, ela ainda
conferiu as panelas que havia deixado sobre o fogão
para o almoço do esposo. Bastava esquentar a comida.
Era este o combinado.
Andou com os meninos até
a escola, despediu-se com os beijos habituais. Correu para
o ponto de ônibus. Sorte ter passado depressa. Lotado.
Nem tudo é perfeito. Acabou distribuindo cotoveladas
entre os espertinhos que tentavam se aproveitar da situação.
Desceu e já partiu rumo ao ponto de parada da segunda
condução que pegaria. Não teve a mesma
sorte. Dessa vez demorou a passar.
No trabalho, ouviu cantadas,
desaforos e fofocas. Trabalhou. Fez alguns planos, se esforçou,
e acabou com a barriga cheia de sapos. Trabalhou. Ignorou
as piadas e indiretas do chefe. Sofreu injustiças
e crises de machismo. Trabalhou. Usou o horário de
almoço para pagar algumas contas. Comeu alguma coisinha
que tinha na bolsa. E trabalhou. Administrou o fim da TPM
e a cólica que veio em seguida. Retocou a maquiagem
e fez cara de que estava tudo bem. Trabalhou mais um bocado.
Enfrentou o trânsito
da volta. Daria tempo de chegar para a reunião do
colégio das crianças? Deu. Participou das
discussões, mostrou-se presente, pegou os boletins.
Ai, meu Deus, vão precisar de aulas de reforço!
Em casa, o reencontro diário
pedia carinho. As crianças queriam a mãe.
O marido queria a esposa. E o corpo, cansado de tanta peleja,
queria banho, comida e sono. Ainda não era a hora.
Depois do jantar, uma breve arrumada na casa e o acompanhamento
final: deveres feitos, dentes escovados, hora de ir para
cama! Inclusive ela. E ele, claro, o marido. Mas não
para dormir. É preciso, além de tudo, ser
namorada. Sem cheiro de alho, sem roupas manchadas. Linda.
Para amar e ser amada.
E assim a maratona termina
já tarde da madrugada.
Modalidade esportiva? Mulher.
Medalha de ouro é pouco para quem a competição
é diária.
_________________________________________________
Do jornalismo à literatura,
ou vice-versa, Ariadne Lima é apaixonada
por letras. Jornalista, defensora do jornalismo literário
(junção de suas duas paixões), procura
ver e descrever o mundo usando as lentes da poesia. E-mail:
ariadnemlima@yahoo.com.br
Sobre a coluna Trejeitos
Cada qual do seu jeito, cada um com seu trejeito.
O que não muda é o amor à profissão
e a vontade de registrar em palavras o que não pode
ser esquecido: a capacidade de falar por aquele que cala,
a crítica, o bom jornalismo, a denúncia, os
vários ângulos, as diversas histórias,
o lirismo.
Nesta coluna, o leitor encontra
crônicas escritas sob a ótica de três
diferentes estilos. Os jornalistas Ariadne Lima, Cristina
Mereu e Guilherme Amorim escrevem sobre temas variados a
cada semana, partilhando com o público, cada um,
um jeito diferente de enxergar a vida.
|