24/07/07
Na esquina da Europa, uma terra e duas faces da moeda


Responda rápido: onde começa o Ocidente? Geograficamente, poderíamos dizer que a porção de cá do globo começa a partir dos Montes Urais, na Rússia. Mas essa resposta seria simples demais. Histórica e culturalmente, a porta da Europa é uma terra localizada em ponto estratégico, que se estende por dois continentes e ostenta, em sua bandeira, o símbolo maior da religião de Alá: o Crescente Vermelho. Os egressos deste lugar dominaram, por muito tempo, povos tão díspares como gregos e curdos, armênios e búlgaros. A Turquia é, com certeza, um caso a parte no cenário mundial.

As recentes eleições no país serviram para afirmar, de forma maiúscula, a sensação de excepcionalidade que ronda os herdeiros do Império Otomano. O AKP, partido do primeiro-ministro Recep Erdogan, confirmou as previsões e manteve-se no poder. As principais plataformas de governo foram a manutenção do secularismo (não intervenção religiosa na política) e a busca de um lugar ao sol, também conhecida como União Européia. Minúcia: o AKP é um partido fundado por setores islâmicos.

O país é palco de uma grande disputa entre os defensores das inspirações ocidentais, abalizados por Kemal Atatürk (líder que, com o fim do império após a 1° Guerra Mundial, reformou as instituições e pôs a Turquia nos eixos) e os muçulmanos fundamentalistas, que tiveram considerável recrudescimento nos últimos anos. Estes defendem a adoção de legislação baseada na lei escrita no Corão, e se dizem asiáticos, não europeus. Ou seja, são radicalmente contrários à entrada da nação na UE.

Pode-se ser europeu e se professar a fé em Alá? Certamente que sim, dirão alguns. A democrática e cosmopolita Europa abriga um mosaico de etnias e credos, e a UE espelha toda esta diversidade – na França, os muçulmanos são mais de 10% da população. Se é assim, porque a Turquia é o país que há mais tempo aguarda uma possibilidade de entrar para o bloco? Obviamente, não são apenas dificuldades étnicas que barram os antigos otomanos. Até pelo seu caráter ambíguo, o país mescla características de país avançado e atrasado, como variado parque industrial e crescimento econômico acelerado num ambiente onde o setor agrícola tradicional é marcante, há o perigo de golpes militares e a corrupção chega a níveis considerados aberrantes (pelo padrão europeu, é bom deixar claro). Há um grande medo acerca de uma invasão de trabalhadores turcos aos outros países membros da União.

De qualquer maneira, não se pode pensar apenas em problemas de cerne econômico-político como responsáveis pelo distanciamento do cidadão turco da condição de cidadão europeu. O Vaticano pressiona pelo registro, na vindoura Constituição Européia, de uma declaração de que o Cristianismo foi a pedra angular da formação do continente – e de que o continente é, por definição, cristão. Além disso, alguns países são abertamente contra a entrada da Turquia na EU pela simples razão de seus cidadãos serem “turcos”, não europeus. Entre estes países, aquele que possui o maior número de islâmicos dentro de suas fronteiras: sim, a França.

Os percalços que a Turquia irá enfrentar nos próximos anos poderão ser, de certa forma, um grande exemplo para o mundo. Se for tratada com respeito, a nação poderá mostrar ao Ocidente que os turcos, ao contrário do que é pregado por alguns líderes políticos e religiosos ocidentais, não são integrantes de uma sub-raça de bárbaros fanáticos, mas sim crentes de uma das religiões que habitam e definem o diverso mosaico europeu. Queiram ou não Bento XVI e Nicolas Sarkozy.


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Ivan Bomfim é jornalista, graduando em História e pós-graduando em Relações Internacionais. Busca compreender o mundo contemporâneo, mas sempre com um olho na História, afinal "o presente é o reflexo do passado". Fale com ele pelo email: ivanjornalista@yahoo.com.br

 

 
 

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