
04/06/07
Constatação do amor perdido

Um
dia você acorda e percebe que perdeu seu amor. Em uma de
suas manhãs, que não precisa sequer ser cinzenta,
você olha para si mesmo e vê que não mais o
tem. E então você se pergunta: "de quem terá
sido a culpa?" Você não tem respostas. E, sinceramente,
você não quer chegar a elas. O fato é que
você o perdeu (e sabe-se lá se não se perdeu
também).
Um dia você acorda e percebe que seu amor também
lhe perdeu. E é duro pensar que você viu tudo acontecendo,
mas foi tão rápido, foi tão estranho, que
você não pôde fazer nada para impedir. Aconteceu.
E hoje ele não lhe tem mais. Mesmo que seu coração
ainda dê sinais quando você ouve aquela música,
mesmo que você ainda chore assistindo àquela cena
ou lendo o poema que era seu e dele, de mais ninguém. Mesmo
assim, ele não lhe tem mais.
Você se culpa por ser alguém tão complicado,
mas pensa no quanto ele, seu amor, não soube lhe compreender.
Você pensa no quanto ele foi seguro e independente, quando
você era carinho, e no quanto ele foi carência, quando
você era firmeza. E então você se sente como
um jardim sem água, sem adubo e sem visitantes, que acaba
morrendo ressequido, por falta de cuidados e de valor. Você
sente raiva de si mesmo, por não ter se valorizado mais,
por ter sido o primeiro a ligar depois daquela briga, por ter
dito eu te amo mais vezes, por ter sido mais frágil diante
da saudade.
E, nessa mesma manhã, você se sente o último
dos seres porque não foi capaz de fazer alguém lutar
para não lhe perder. Você sente raiva por ter sido
tão tolo e já tem dúvidas se era mesmo amor
o que o outro sentia. Que amor era aquele que magoava, que ignorava,
que dizia coisas dolorosas, ainda que não fosse essa a
intenção?
Por outro lado, você enxerga suas próprias culpas,
seus próprios erros e lembra que você também
o perdeu. E você se pergunta: "quem terá perdido
quem primeiro?" Você chora e percebe que a resposta
não importa. Vocês se perderam e perderam a chance
de acordarem juntos em manhãs melhores.
Então, você se levanta, lava os olhos, lava a alma,
e promete a si mesmo que aquilo não vai se repetir. Mas
no fundo você sabe que aquela promessa dura somente o tempo
do reencontro. Ou de uma nova paixão.
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Do jornalismo à literatura, ou vice-versa, Ariadne
Lima é apaixonada por letras. Jornalista, defensora
do jornalismo literário (junção de suas duas
paixões), procura ver e descrever o mundo usando as lentes
da poesia. E-mail: ariadnemlima@yahoo.com.br
Sobre a coluna
Trejeitos:
Cada qual do seu jeito, cada um com seu trejeito. O que não
muda é o amor à profissão e a vontade de
registrar em palavras o que não pode ser esquecido: a capacidade
de falar por aquele que cala, a crítica, o bom jornalismo,
a denúncia, os vários ângulos, as diversas
histórias, o lirismo.
Nesta coluna, o leitor encontra
crônicas escritas sob a ótica de três diferentes
estilos. Os jornalistas Ariadne Lima, Cristina
Mereu e Guilherme
Amorim escrevem sobre temas variados a cada semana, partilhando
com o público, cada um, um jeito diferente de enxergar
a vida.
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