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14/05/07
Horário de visitas! - ouvi a funcionária berrando. O coração, já cansado, bateu cheio de vigor. Era a esperança. Oitenta e quatro anos de momentos e histórias estavam guardados naquele velho peito. Meus últimos meses, até então, haviam sido para esperar por aquele dia. Segundo domingo de maio, dia das mães. Já não conseguia lembrar a última visita. Sabe como é: depois dos 60, as coisas vão ficando confusas, a cabeça já não funciona como antes... Mas naquele dia alguém haveria de vir! Viria, traria flores e o tão esperado abraço. Pedi que me ajudassem no banho. Escolhi a melhor roupa, aquela que guardei para momentos especiais. Há 15 anos, o Lar de Idosos era minha casa. Foi difícil me habituar no começo, mas entendi que era preciso. A gente cria os filhos para o mundo, dizia minha mãezinha. Ela tinha razão. Meus dois casais estavam criados. Os dois mais velhos foram morar no estrangeiro, mandavam dinheiro de vez em quando. Os que ficaram não tinham tempo. Logo que me mudei, minha caçula vinha me ver toda semana. Depois ficou difícil. Pobre de minha menina! Era casa, trabalho, filhos, universidade! Mas, sabe? Naquele dia eu senti que seria diferente. Arrumei meu quartinho com flores e guardei balas para meus netinhos. Estava feliz. Gostava de datas especiais. No aniversário das crianças sempre gostei de preparar doces e tortas, chamar parentes e vizinhos. Gostava da casa cheia. Nas tardes frias, juntava a meninada da vizinhança para tomar chocolate quente com sonhos e biscoitos de polvilho. Era uma algazarra! As meninas brincando de amarelinha e os meninos disputando bolinhas de gude... Engraçado como para certas coisas a memória não envelhece! Conferi no espelho se estava bem arrumada. A beleza da juventude já tinha ido faz tempo, mas meus filhos não se importariam com isso. Sentei-me à frente do quarto, na varanda onde costumava tomar meu chá todas as tardes. Observei as pessoas chegando. Carregavam presentes, roupas, guloseimas. Algumas levavam lágrimas nos olhos. Emocionei-me também, observando as visitas de minhas colegas. A minha já deveria estar vindo. Distraí-me tanto, procurando rostos conhecidos entre os que chegavam, que nem percebi o dia passar. Vi apenas quando os portões se fecharam e o movimento de pessoas acabou. Eu havia me enganado. Ninguém apareceu. Certamente tiveram seus motivos, não puderam. Compreendo. Afinal, mãe é mãe todos os dias, não é mesmo? Eles viriam no próximo dia de visitas, tenho certeza. Pena que o velho coração não conseguiu suportar até lá. Naquela mesma noite, orei por eles, como o de costume e em seguida adormeci. Acordei aqui, do outro lado da vida.
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Sobre a coluna
Trejeitos: Nesta coluna, o leitor encontra crônicas escritas sob a ótica de três diferentes estilos. Os jornalistas Ariadne Lima, Cristina Mereu e Guilherme Amorim escrevem sobre temas variados a cada semana, partilhando com o público, cada um, um jeito diferente de enxergar a vida. |
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