28/05/07 - Segunda-feira
Desilusão

Reprodução: O Grito, de Edvard Munch, representa a profunda angústia e desespero existencial

“Amor é quando é concedido participar um pouco mais. Amor é a grande desilusão de tudo mais. Amor é finalmente a pobreza. Amor é não ter inclusive amor. É a desilusão do que se pensava que era amor. Amor não é prêmio, por isso não envaidece.”

Aproveito as belissímas palavras de Antônio Abujamra para divagar acerca da desilusão como processo libertador. É partir do momento que deixamos de enxergar a vida dentro apenas do limite do estético e da mimese que podemos nos atentar para o que existe de real e de humano com maior lucidez.

Além da experiência com a desilusão do amor romântico – talvez a mais brutal e transformadora – presenciamos a descrença na religião, na política, na moral, na família e até mesmo na cultura. E não é, como pensam muitos, decepcionante ou frustrante descobrir de repente que quase tudo o que vivemos – as vezes de forma intensa, outras vezes nem tanto – pode não passar de uma grande falácia. Ao contrário, acredito que só a partir desse momento é que poderemos abandonar a inércia e investir em formas mais verdadeiras e livres de viver.

A reflexão propiciada pela circulação intensa de bens abstratos, da mesma maneira que nos aproxima do simulacro que é a vida nos moldes reproduzidos de forma semi-inconsciente, também aponta para um outro fluxo, o fluxo da negação. Apesar da existência, em peso, da massa alienada que concebe a vida num processo de distorção da imagem para a realidade, existem cabeças pensantes e ávidas por novas possibilidades de vivências. Neste sentido, percebemos uma necessidade de desconstrução de tudo o que é aprendido.

O acesso que todos podemos ter aos modos de pensar e enxergar a vida, de perceber as experiências através de uma veia mais crítica e política nos empurra a, se não a conceber atitudes, pelo menos, visualizar novas possibilidades de interagir com o mundo. Entretanto, esse processo de negação é algo extremamente complexo e angustiante, ainda que libertador.

Acostumados a preferir o aparecer ao ser, adotar uma atitude fiel ao que se acredita diante da vida pode, muitas vezes, significar um rompimento radical com a lógica construída durante todo seu tempo de existência. E são poucos os que estão realmente dispostos a essa quebra.

Além disso, a realidade tramada tem o poder de deteriorar, sem muitas dificuldades, qualquer fio que lhe escape ao emaranhado delicadamente forjado. E a constante busca por suas falhas pode cansar ou tornar-se uma monótona masturbação intelectual.

Talvez ainda não haja uma receita para isso a não ser um eterno e errante descosturar, mesmo que este parta apenas de uma nova concepção do amor...


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Lira Turrer é jornalista e escritora. Apaixonada pela literatura e inspirada pelos fatos corriqueiros que permeiam a comédia do cotidiano. Escreve aqui todas as segundas. Fale com ela: liratd@yahoo.com.br

 
 

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