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Mas era no armazém da esquina que a gente gastava os trocados que meu avô nos dava quando voltava da feira. Aquele lugar meio apertado, entulhado de mercadorias de todos os tipos por entre os corredores, nos fascinava. Sonhava em um dia escapulir dos olhos severos do proprietário alemão, atravessar o balcão e entrar naquele fantástico mundo de traques, pólvoras, doces de leite, guardachuvinhas de chocolate pan e bombinhas de todos os tipos. Naquele dia, meu avô deve ter vendido mais fitas do que o de costume – na época não existia CD, mas a pirataria já era o ganha pão de muita gente - e voltou da feira com uma fortuna em trocados. Nossos pequenos olhos brilharam e meu irmão dividiu igualmente o dinheiro, como o vovô nos instruíra a fazer. Sem tempo para os chinelos, corremos descalços em direção àquele estabelecimento onde o alemão nos vendia sonhos em formato de porcarias baratas. Diante daquele balcão enorme eles estavam lá, brilhando como sempre e chamando a atenção. Eles ficavam expostos em uma caixa de papelão aberta de forma que qualquer criança pudesse admirá-los. Olhamos-nos e imediatamente decidimos, sem dizer uma palavra, juntar as notas esmagadas e molhadas de suor. Mesmo havendo a diferença de dois anos entre nós, a sintonia de irmãos nunca falhava. “Acho que vai dar!” Dizemos rindo e correndo para encostar no verde, cumprindo a regra da sorte para quem fala junto alguma coisa. “Quero quatro rolimãs médios por favor.” Aquelas rodinhas de metal eram a coisa mais linda que a gente já tinha visto. Elas rodavam com destreza sobre nossos dedinhos afoitos que logo estavam sujos de graxa. Graxa e chocolate, pois o troco ainda deu pra levar duas cucas geladas! E logo a rua toda virou uma oficina mecânica. Um vizinho chegava com um pedaço de madeira e o outro com uns tijolos para fazer a rampa. Meu avô batia o martelo enquanto a gente posicionava os pregos. E quando acabou, a gente não quis almoçar, tamanha ansiedade para montar logo no nosso carrinho e descer a rua como um foguete. Minha avó nos seguia com sanduíches na mão. “Come menino! Só mais uma mordida!” O design era super arrojado. Cabiam duas pessoas e a da frente controlava a direção com os pés numa tábua estreita e flexível que trazia um rolimã em cada ponta. A rampa de tábua velha e tijolos quebrados estava armada no meio da rua, na parte de baixo da decida. A gente se posicionava lá em cima e uma platéia de moleques se formava para a grande largada. Claro que não ia dar certo. Mais do que o esperado, os rolimãs eram muito bons e o carrinho pegou uma velocidade absurda. Ao passar pela rampa foi um tombo daqueles! O carrinho voou para um lado e eu e meu irmão para o outro. O asfalto quente nos queimou e ralou as mãos, os joelhos e até os cotovelos. Os olhares da platéia se silenciaram e um suspense se formou por segundos. A gente se levantou, conferiu os estragos, soltou uma gargalhada e saiu correndo ladeira acima. “De novo! Ajeita a rampa aí!” Leia também 05/03/07
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