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26/03/07 - Segunda-feira
Amélia que era mulher de verdade
Desde que aquelas moças queimaram os sutiãs em praça pública – eu não queimei os meus, mas confesso que já estou quase os jogando fora, depois que a tecnologia nos presenteou com o invisible bra, aquele sutiã de silicone, sem alças, que cola nos peitos - as conquistas femininas em todos os aspectos da vida social provocaram uma reflexão cada vez maior em torno dos papéis da mulher e do homem na sociedade.
Hoje em dia a dominação masculina perdeu espaço na medida em que não consegue se justificar por si só. Um homem não pode falar ou demonstrar em público que é superior as mulheres assim, sem mais nem menos. Ou ele apanha da mulherada - a gente agora faz artes marciais para meter a mão em qualquer engraçadinho - ou perde qualquer possibilidade de sair acompanhado do local. A não ser que ele seja um daqueles machos de antigamente, o mais novo fetiche das mulheres que buscam desesperadamente pela máxima da virilidade, pilar em extinção no mundo dos metrosexuais e homens femininos.
Ainda assim, vez ou outra aparece algum desavisado que se apóia na ciência para justificar a superioridade masculina. Um tal ginecologista famoso do qual eu não me lembro o nome, andou espalhando hipóteses estapafúrdias sobre o sexo dos bebês. Ele afirma que quando a mulher atinge o orgasmo, a probabilidade do embrião ser masculino é muito maior. Até nisso o homem dá um jeitinho de se mostrar teoricamente superior: ele é o único que nasce de uma boa gozada! Tem cabimento? Se bem que, talvez, ao contrário daquela teoria da quantidade de neurônios, essa até poderia ter sido útil. Henrique VIII, por exemplo, teria resolvido seus problemas se, ao invés de se divorciar a cada vez que uma esposa não lhe dava o tão esperado herdeiro, tivesse feito ao menos uma delas feliz na cama! E olha que foram seis! Quanta incompetência!
Mas ss recentes discussões acerca dos novos papéis da mulher e do homem na sociedade não só representam um enorme passo para a conquista feminina como também abrem espaço para novas configurações de identidades. A partir do momento em que a Tati cantou “sou cachorra, sou gatinha” meu leque de opções de papéis a incorporar vão muito além do imaginado pelas minhas colegas feministas do início do século XX. Agora posso ser independente, auto-suficiente, tomar iniciativas em relacionamentos, ter orgasmos, demonstrar meus desejos e até declarar, sem constrangimentos, que tenho um vibrador em casa.
Conheço uma prostituta recatada e uma crente que frequenta sex shop.
E viva a pós-modernidade.
Entretanto, o negócio ficou tão híbrido que confusões e disparates vivem acontecendo. Daniela Cicarelli foi quase apedrejada por demonstrar em público - não tão em público assim, visto que ela estava em uma ilha particular na Espanha - o seu tesão pelo namorado, algo que deveria ser visto com naturalidade pela sociedade, ou ao menos pelas mulheres desta, que tanto tem panfletado sobre a tal liberação sexual feminina.
Enquanto a apresentadora foi chamada de vadia, vagabunda, piranha e coisa pior, pelo terrível ato de fazer sexo na praia com o namorado, as Pin-ups ressurgem dos calendários masculinos dos anos 40 como ícones da feminilidade pop e contemporânea. Cito essa nova moda pelo conflito que ela representa. Ora, não é preciso conhecer muito a história das pin-ups para saber que elas não passam de estereótipos femininos criados - por homens - com intuitos comercias de difundir a imagem da mulher como objeto sexual. A figura sexy retrô e a sua prima mais nova e mais patricinha, a Barbie, foram importantes protagonistas de todo o processo de culto obsessivo ao corpo que hoje culminou nas plásticas, lipos, bulimias, frigidez e insatisfação constante. Mas as meninas carregam com orgulho as simbologias da pin-up em acessórios, modos de vestir e cortes de cabelo. “A pin-up é fashion”, então tá justificado!
Ontem, eu que escolhi ser um pouco Daniela Cicarelli, Pin-up com uma pitada de Tati Quebra Barraco e saí de esmalte vermelho cantando “Girls just wanna have fun”, cheguei nos homens e até fiz xixi em pé, hoje mudei de idéia. Andei pensando que, como resolvi nunca mais fazer as unhas – já contei esse caso a vocês – posso perfeitamente estragá-las fazendo faxina e biscoitinhos espera marido. Cansei desse negócio de trabalhar fora, ser emancipada e sozinha. Agora eu quero pensar em ter filhos, sem aquela culpa pós-moderna de que o mundo está ruim e de que a mulher não deve sacrificar sua carreira em função de casamento e crianças. Cansei também de todo esse papo de amor livre. Confesso que quero me deixar levar pela comodidade da monogamia porque já estou com preguiça de ficar argumentando sobre o desejo e a natureza humana. Quero ser Amélia, ter meu maridinho e cotidianamente esperá-lo ás seis da tarde no portão. Posso?
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Lira Turrer é jornalista e escritora. Apaixonada pela literatura e inspirada pelos fatos corriqueiros que permeiam a comédia do cotidiano. Escreve aqui todas as segundas.
Fale com ela: liratd@yahoo.com.br
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