18/06/07 - Segunda-feira
Essa tal pós-modernidade

Parei em frente a enorme prateleira do supermercado. Muitas opções do mesmo produto confundiram minhas reais necessidades – as quais eu já não sei se são tão reais ou tão necessárias. Eu sempre achei que os meus cabelos se enquadravam na categoria dos “normais” e essa percepção besta me bastava na hora de comprar um xampu. Era simples: normal, oleoso ou seco. Agora a coisa ficou tão complicada que eu gastei horas em frente às embalagens coloridas. Raízes oleosas e pontas secas, Anti fritz e controle de volume, Linha anti-sponge, Cachos comportados, Lisos perfeitos, Loiros radiantes, Ondas marcantes, Pretos luminosos... Meu deus, o que aconteceu com o cabelo das pessoas? Deve ter sido o mesmo fenômeno que ocorreu com o fluxo menstrual. Tripla segurança, Canais laterais, Sensitive, Aloe Vera, Ultraprotect, Com abas e cobertura sempre seca, Soft noturno... Tem até um que se adapta a calcinha fio dental pra deixar a bunda gostosa na calça justa. Mas que mulher quer usar calça apertada e ficar boazuda ao mesmo tempo em que sangra e sente cólica?

O que ocorre no supermercado se repete quando eu me sento diante da tv. Tenho ficado cada vez mais impressionada com o caráter frenético e fragmentado dos programas televisivos. A fim de relaxar um pouco zapeio entre os milhões de canais e vejo que vai começar um especial sobre uma famosa banda dos anos 80. Nostalgia enlatada, ótima para esses momentos descompromissados pré-soneca de domingo. Mas não deu outra. Perdi o sono, fiquei agitada, tonta e mal humorada. Por que a porra do programa era tão cheio de cortes secos e câmeras nervosas e, o pior, nunca passava mais de 30 segundos de um show ou clipe? No lugar disso um bando de personalidades do mundo pop – as quais, na minha mais completa ignorância, eu desconhecia – distribuíam opiniões inúteis e superficiais sobre a tal banda do meu tempo.

Até a maneira de nos relacionarmos tomou um ritmo diferente. Entre um grito e outro no ouvido do amigo, com muita sorte, conseguimos concluir uma fala rápida dentro da boate da moda. Ou podemos também abreviar ao máximo as palavras, sem se importar com as regras ortográficas – o que é isso? - e conversar ao mesmo tempo sobre muitos assuntos inúteis por msn, orkut ou torpedos.

Os filmes também se adequaram a essa lógica pós-moderna – bons diretores usam dessa estrutura para fazerem uma crítica da mesma - e intercalam histórias rápidas e curtas numa mesma seqüência delirante de forma a se montarem como um mosaico de ações e reações. Eu gosto bastante de edições criativas e sei apreciar as inovações da sétima arte. Assim como também aprecio as contemporâneas formas da musica eletrônica com seus geniais samplers. Mas onde foi parar nossa disposição para uma fruição estética mais densa? Até hoje, com toda essa coisa de mp3 e ipod, eu ainda gosto de escutar o CD inteiro em respeito e gosto pela integralidade da obra.

Será que se os artistas de outrora fossem meus contemporâneos, eles achariam espaço para sua arte cheia de conteúdo prolixo entre a nova geração abreviada? Ou teria Beethoven uma versão electro da Nona Sinfonia e Charlie Chaplin curtas publicados no youtube? Habitariam Dostoievski e Caravaggio o mundo dos blogues e fotologues?


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Lira Turrer é jornalista e escritora. Apaixonada pela literatura e inspirada pelos fatos corriqueiros que permeiam a comédia do cotidiano. Escreve aqui todas as segundas. Fale com ela: liratd@yahoo.com.br

 
 

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