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Nos seus quarenta anos, Sgt. Peppers Lonely Hearts Club Band ainda atua como divisor de águas. Seu legado deve permanecer unicamente, porém, no âmbito do desenvolvimento da canção enquanto formato próprio da indústria da cultura.
Não como a madeleine proustiana, que no célebre episódio do chá na casa da princesa de Guermantes no Em busca do tempo perdido esfria após a lembrança de infância do autor, Sgt. Peppers Lonely Hearts Club Band dos Beatles continua cheirando como novo. Todo aparato pelo qual se ajusta o efeito simbólico que tal obra de arte nos afeta é realmente de uma eficiência absurda. O efeito é, certamente, contrário ao que acontece à madeleine: tem-se a insistente impressão de uma perenidade indubitável, advinda de locais muito profundos do nosso senso estético, como uma tradição milenar de juízo de gosto, de onde ninguém pode ultrapassar a barreira que se impõe. E esse cheiro permanece mesmo depois da separação e morte de metade da banda. O álbum beatle de 1º de junho de 1967, na verdade, é considerado a indicação limítrofe, o ícone do estabelecimento de uma geração contracultural que inevitavelmente viu seu movimento se tornar um dos mais altos padrões de cultura ranço básico das ideologias que visam desvelar ideologias dos tempos que se passaram depois deles. O muito comentado gosto apimentado do álbum, aliado a toda mística que circulava invariavelmente o entorno do mundo beatle, especialmente no momento conturbado que passavam os quatro de Liverpool depois de declarações ambíguas de Lennon sobre Cristo, ampliaram isso. Longe dos palcos, os fab four, com efeito, caminharam na medida contrária da aura benjaminiana: passaram a vislumbrar o status de arte no exato momento (coincidências ou não) em que deixaram a atuação presencial, o show: reprodução técnica artística em detrimento dos espetáculos glamourosos em meio aos gritos irracionalizados dos fãs. Também nesse sentido o quarteto é o próprio totem cujo estabelecimento faz circular a indústria da cultura.
E tal experiência poética está relacionada inequivocamente com o uso do ácido lisérgico, que o senhor McCa propriamente entrega na frase: admito que existem perigos em tomá-lo, mas eu tomei com um propósito deliberado em mente: encontrar a resposta para o que é a vida. Que se explique: do alto posto em que se posiciona, Sgt. Peppers não intenciona romper bruscamente com a dádiva própria com a qual os Beatles se vinculam, que é o melos delicado e fundamentado em bases de sensibilidade pouco extravagante. Isso é e acaba não sendo uma crítica ao disco, posto que não há cabimento no conceito extravagância num disco tão renovador. Certo?
Errado. Peppers tem todas as qualidades que seus críticos apregoam. E por isso não é de se estranhar coincidirem todas as opiniões; de músicos-especialistas a leigos, simples fruidores. Mas os adjetivos instaurador e renovador cujo rótulo pregaram na cabeça do disco há algum tempo emaranham o sentido correto dessa aplicação. O problema está no centro da própria forma escolhida para o arranjamento das suas partes, as canções (e George Martin saberá muito bem disso), pois delas não se passa, nem por decreto. Nesse sentido, o disco conceitual Sgt. Peppers Lonely Hearts Club Band é um interessante, relevante, criativo e fundamental álbum para o entendimento do mundo musical da segunda metade do século XX. Mas não da música em si.
Sgt. Peppers é, na verdade, cindido em duas
partes: uma é aquela que abriga a liberdade poética
dos sons, e outra, muito cara aos Beatles e em conseqüência
a toda a indústria pop subseqüente , é
a tecnologia da canção de massa. Respectivamente,
uma abriga a anedota que revela o ponto máximo da inventividade
dos fab four - o mi final de A day in the life: segundo
consta, George Martin teria tido a idéia brilhante dos
glissandos a esmo. A outra parte todos conhecem e assobiam; a
melodia simples e redonda que caracteriza todos os refrões
e estribilhos. As duas, por vezes, parecem viver separadas nas
obras do quarteto. O que não configura seu problema, mas
sua solução: paradoxalmente, é daí
que vem toda a força do disco de sua explícita
não-encarnação de uma dialética verdadeira
entre as partes.
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