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02/04/07
Eu vi o menino correndo, eu vi o tempo brincando ao redor do caminho daquele menino... Trilha sonora mental para a imagem que eu via, a música de Caetano Veloso se repetia na minha cabeça. Eu vi o menino correndo. Não era, porém, uma cena de recreação. Não era a cena comum de minha infância, da infância dos meus irmãos, dos meus amigos. Era a imagem de uma criança que, em meio ao trabalho do dia, dava-se ao luxo de ser criança por alguns segundos. Naquele instante, o menino se permitia ser criança. O sorriso ao correr atrás do amigo, ali também um colega de trabalho, iluminava a seu redor, revelando beleza no pequeno ser, maltrapilho, suado e de corpo franzino. À medida em que corria, sem perceber, entretido na inocente brincadeira, abria espaço entre os passantes que, desconfiados, apertavam bolsas e escondiam objetos de valor. Foi então que vi o tempo brincando ao redor do caminho daquele menino. Diante de meus olhos havia uma criança. E isso era o que me tocava. Ele não seria criança para sempre. E isso era o que me doía. O tempo se encarregará de cumprir seu papel, sem relevar nada, sem ressalvas, sem medidas. Aquela criança crescerá e qual será seu futuro? Até quando insistirá na venda frustrada de doces, na vida regrada, na escassez? Até quando será indiferente às bolsas que se escondem e aos trincos que se fecham à sua volta? Vida fácil a que lhe oferecerão mais tarde. E bem provavelmente não tão tarde assim. A vida do crime talvez lhe pareça mais atraente que os dias debaixo de sol, chuva e preconceito. Talvez em breve o menino correndo não seja a imagem de uma brincadeira, mas a de uma fuga: da polícia, da violência, da disputa, dos tiros, do tráfico, da vida difícil em que se criou. Segui com Caetano na cabeça. Trilha e imagem. Filme de triste fim o que criei. Olhei para trás e tive tempo de ver o pequeno garoto de volta ao sinal, com sua caixa de balas e chocolates. Levaria algum sonho? Sinal aberto para os carros e uma venda apenas. Ele sorria satisfeito. Até quando?
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Sobre a coluna
Trejeitos: Nesta coluna, o leitor encontra crônicas escritas sob a ótica de três diferentes estilos. Os jornalistas Ariadne Lima, Cristina Mereu e Guilherme Amorim escrevem sobre temas variados a cada semana, partilhando com o público, cada um, um jeito diferente de enxergar a vida. |
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