
25/08/07
Qual a sua percepção
sobre o Complexo do Alemão?
E ai? O que você pensou
sobre o Complexo do Alemão quando leu a chamada desse
texto? Vou deixar um espaço aqui para você
pensar a respeito. Finja que a tela é um espaço
de folha em branco. Escreva todos os seus pensamentos aí
para depois continuar a ler.
Imagino que seus pensamentos
tiveram as seguintes linhas: morte, violência, tráfico
de drogas e talvez polícia corrupta. Todos eles na
proporção de uma guerra civil, imagino. Bom,
se você não pensou nada disso, você é
uma exceção, ou, um dos 250.000 moradores,
de uma das trezes favelas que compõem o complexo.
Mas, já parou para pensar no papel do dessa região
na nossa sociedade? E por que ele ocupa um espaço
tão grande na mídia?
Vamos colocar aqui o seguinte: maioria da população
do nosso país, quando adquirem informações,
as obtém através dos maiores mídias.
Folha de S. Paulo, O Globo, Estado de Minas, Veja, Época,
entre outros. Pouquíssimos buscam se informar através
de mídias alternativas o Binóculo, por exemplo.
Logo, para quem assiste o Jornal Nacional, aquela é
a verdade do país. As imagens de guerra no subúrbio
do Rio de Janeiro se tornam a representação
da cidade.
Quem nunca ouviu falar de alguém que não pisa
na cidade maravilhosa por medo? Posso citar vários
aqui. Como conheço também, diversas pessoas
que nunca foram à cidade e imaginam que lá
é só carnaval, futebol, bala perdida e mulher
pelada. Tudo que a mídia mostra como sendo Rio de
janeiro.
Sempre discordei dessa visão pessimista da cidade.
Tudo que é mostrado existe, mas a forma como é
transmitido é exagerada, ridícula em certos
pontos. Parece que você vai andar pela cidade e topar
com um traficante com arma na mão a cada esquina,
que vão explodir bombas em cada passo que você
der, e que você vai sofre seqüestros relâmpagos
a cada 15 minutos, além de ter que sambar para desviar
das balas perdidas.
A “Caros Amigos” desse mês, trouxe uma
matéria que derruba um pouco esse estereotipo da
cidade, mais especificamente do Complexo do Alemão.
O repórter Marcelo Salles entrou na comunidade para
descrever como funciona a organização daquela
sociedade e para transmitir o lado humano de um dos locais
mais injustiçado pela mídia brasileira.
Em sua reportagem ele começa descrevendo o cenário
da favela da Grota (uma das treze que compõe o Complexo).
Vendedores ambulantes, soldados camuflados (somente na entrada
da favela), becos apertados, além da precariedade
de alguns locais da comunidade. “No trajeto é
possível perceber que alguns pontos não possuem
saneamento adequado e o esgoto corre à céu
aberto, por vezes espirrando do chão de cimento”,
descreve Salles.
O jornalista também faz uma denúncia, que
surpreendentemente nunca foi manchete de jornal. “HÁ
APENAS TRÊS ESCOLAS EM TODO O COMPLEXO DO ALEMÃO
E NENHUM HOSPITAL OU POSTO DE SAÚDE, COMO NÃO
HÁ LIVRARIA, BIBLIOTECA, CINEMA OU TEATRO”.
Não daria uma manchete? Seria mais plausível
e útil do que “MAIS MORTE NO ALEMÃO”,
não?
Marcelo em sua reportagem aborda outro ponto nunca citado
pelas matérias dos “excelentes” jornalistas
“globais”. Ele visita o Grupo Cultural Raízes
em Movimento que tem sede na comunidade. Alan Brum, coordenador
desse Grupo, comenta que no Complexo do Alemão existem
450 traficantes, um número insignificante para o
tanto de gente que mora na comunidade. Mostrando que existem
ações sociais e que poderiam existir mais,
caso não fosse o medo e o estigma violento implantado
pela mídia na sociedade externa ao complexo.
Um aspecto curioso, e que pode definir o por que da paixão
dos mídias pelo complexo, é o fato de ter
sido lá que o jornalista da Rede Globo, Tim Lopes,
foi assassinado. A partir de então, o complexo nunca
mais saiu das páginas policias. Uma perseguição?
Na reportagem são enfocados diversos outros pontos
que não estão nas páginas dos jornais
diários. O jornalista se transformou em antropólogo
para mostrar a comunidade. Provavelmente poucas pessoas
vão se interessar por essa reportagem, pois, notícia
boa, não vende. Soa como mentira para muitos, que
só querem ver morte, sangue e bandido morto. Está
na hora da sociedade mudar de foco, adquirir um pouco mais
de maturidade e parar de achar que a vida é um filme
americano, cheia de tragédias, mortes e quedas de
avião.
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Marcelo Valadares é
jornalista e escreve aqui todos os sábados.
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