
18/08/07
A cega da Rio de Janeiro
Há um ano trabalhava no local mais movimentado de
Belo Horizonte. Para muitos, lá, é sinônimo
de inferno. Para mim não. Considero um dos lugares
mais bonitos da cidade, tanto pela diversidade arquitetônica,
quanto pela de gente.Velhos irritados, mágicos picaretas,
crentes pregando. Senhores de boina jogando dama. Compro
ouro, vendo prata. Uma multiplicidade de rostos e jeitos
que dificilmente se encontra em outro lugar.
Quando trabalhava por lá, há pouco mais de
um ano, ela estava sempre ali, no meu caminho, vendendo
cartelas de Mega Sena e Loteria, na frente de um banco.
Mas, não era isso que chamava minha atenção.
Sempre fiquei impressionado com a beleza simples daquela
mulher cega. E imaginava sua rotina para chegar até
ali e vender, com um sorriso humilde, a esperança
em forma de números impressos. Quando passava por
aquela esquina, aguardava ansioso ouvir sua voz anunciando
seu produto.
Achava engraçado o fato dela estar sempre cercada
de outros cegos e imaginava: “Como eles sabem que
ela é tão bonita?”, cheguei a conclusão
que além de linda, ela é feliz, e a felicidade
atrai os outros cegos. Dizem que quem não enxerga
desenvolve os outros sentidos, inclusive o “sexto”.
Eles captam no ar a energia das pessoas. Pode parecer bobagem,
mas, juro, não existe outra “ceguinha”
no centro que seja tão cercada como ela. Um dia,
quando um de seus interessados lhe fazia uma declaração,
parei perto, só para saber o que diziam. Ele lhe
falava que fora atraído pela voz e que tinha certeza
que ela era linda. Ele não percebeu, mas ela ficou
vermelha e ignorou o rapaz que lhe sorria profundamente.
Um dia, voltando do trabalho, ela não estava lá.
Fiquei preocupado. Seu sumiço durou uma semana. Quando
voltou, quase lhe perguntei o que tinha acontecido e se
estava tudo bem. Percebi como ela era, de alguma forma,
uma identificação, como se dissesse: “Estou
aqui, como todos os dias estive. Fique tranqüilo! Sua
vida está normal”.
Sonhava em fazer um documentário sobre aquela personagem
fantástica que atraia minha atenção
no meio da correria. Fantasiava as perguntas que iria fazer,
as tomadas de câmera, acho que até nome para
o filme eu dei, mas, tudo isso ficou ali, perdido no tempo
e naquele espaço de rua.
Há uma semana voltei à Praça Sete.
Quando passei pela Rio de Janeiro meu coração
bateu mais forte. A lembrança daquela bela mulher
cega me veio a mente. Caminhei a passos largos para chegar
rápido até o ponto em que ela vendia suas
apostas. Para minha felicidade, estava lá, linda
e cercada por alguns cegos apaixonados, como na época
em que passar por aquela rua era uma rotina na minha vida.
Têm coisas que não mudam muito.
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Marcelo Valadares é
jornalista e escreve aqui todos os sábados.
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