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Eis que a problemática então se põe: quais os nossos motivos para um rechaço veemente em relação a tal objeto estético, a saber, a música pós-tonal de tempos já seculares? A arte que rejeite (ou atualize) nossas proposições de gosto, nossos juízos, deve permanecer à parte da nossa perspectiva, do nosso ponto de vista? O que há com as edificações musicais construídas sobre a cabeça de nossos costumes, traçando em milhas a distância intocável do nosso limite sensível, humano? “Edificações musicais” exatamente onde aquela tênue linha digressiva rompe pela tangente a cadeia vanguardista desse mesmo tempo. Exatamente onde a abertura ao extra-semântico e ao formalismo deslocou da música o seu tradicional sistema discursivo, ou (num mínimo paralelo) da pintura o seu caráter figurativo - mas unicamente num pequeno paralelo, pois a arte pictórica tem os seus problemas intrínsecos (dentre os quais a preocupação com o decorativismo). Ou em termos explícitos: qual o motivo da fantástica distorção pela qual passamos, diante da assimilação enérgica dos (antes) transgressores Picasso, Kafka, Brecht (etc.) em detrimento dos seus contemporâneos Schönberg, Varèse, Ives (etc.)? Se por mero descaso do descaso, o fabuloso monstro da música moderna ainda não se ergueu a um posto às vistas do nosso sensível , é também porque teve a preocupação de armar uma trincheira da qual não quis sair desde o dia do seu nascimento. E à medida que nosso senso de preservação foge do inútil, recorrendo desesperadamente (e, até certo ponto, inversamente) às nossas técnicas humanas de salvação da sobrevivência, e atualmente da própria Terra, tão mais indigesta vai ficando essa atuação musical – e a ofensa ao nosso senso de recaimento, segurança, vai irremediavelmente estabelecendo o seu primeiro e último lugar.
Desse modo, o coro dos contrários, que acredita sem fatalismos, só pode fincar uma bandeira já velha, que, ao mesmo tempo, pouco ou nunca foi utilizada: a da esperança na mudança como ponto de alcance – não da verdade, mas de uma utopia dinâmica. Desde assim, nesse ínterim, Schönberg já haveria morrido com toda sua trupe, bem envelhecido, sem nunca ter sido experimentado. Algo alegoricamente como seu pierrô, que (na transcriação de Augusto de Campos) acaba violando “o crânio calvo” do velho Cassandro, provavelmente uma metáfora dos mais avisados, “com grotescas dissonâncias” - já que quem é desavisado não faz sentido. E há muito que o inútil passa ao largo.
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