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26/04/07 - Quinta-feira
Assassinato
Os amigos não se conformam.
Seus pais sentem-se desamparados. Ninguém podia imaginar que aconteceria isso com ele. Logo com ele! Desde criança gostava de ajudar. Via um coleguinha em apuros, logo ia socorrer. A merenda que levava vez ou outra, dividia. Conversava com todos da sua turma; adorava abraçar. Já no primeiro ano do ensino fundamental foi eleito chefe de turma. Ele não sabia muito bem o que significava, mas assumiu a tarefa. Na educação física, quando era futebol, não se importava em ir para o gol. Era uma versão atual do Menino Maluquinho. Seu nome é Diogo.
Sua família é pobre. O carinho dos seus pais era a maior riqueza que poderia ter. Seu pai era um herói. Assim Diogo o intitulara. Sua mãe era sua rainha. Filho único, nunca fora mimado pelos pais, talvez não sobrasse tempo. Aprendeu a maioria das coisas na rua; na convivência diária com o mundo. Ao se ingressar no 1º ano do ensino médio, foi eleito para compor a comissão dos estudantes, um grupo composto por oito alunos que Brigava por melhorias na escola. Até que a coisa caminhou bem! No 2º ano, assumiu a presidência da comissão.
Tinha carisma. Cativava as pessoas através das palavras. Sabia olhar nos olhos. Mostrava-se firme. Tinha propósitos definidos: queria lutar por um país menos desigual, onde as pessoas tivessem oportunidades, queria fazer algo bom pelo país. Estudava direito, economia, política, literatura... Era uma autodidata em várias áreas do conhecimento. Tanto foi que aos 18 anos conseguiu uma bolsa integral para cursar ciências políticas em uma renomada universidade. Seus pais sentiam muito orgulho. Era o primeiro da família, de ambos os lados, a cursar o 3º grau.
A paixão pela política o alucinava! Na universidade se informou até conseguir formar uma chapa e disputar as eleições do Diretório Acadêmico. Não deu outra, venceu. Uma das principais características de Diogo era a transparência. Montou um pequeno jornal para expor todas as ações da sua chapa. Já fizera isso no 2º grau. Encontrava-se com alunos, debatia temas, dava a cara à tapa. Nunca se entregava.
Após cursar dois anos de universidade, recebeu um convite para integrar a presidência de uma chapa concorrente ao Diretório Central dos Estudantes. Aceitou o convite. Fizeram uma campanha, principalmente, face-a-face. Ele entendia bem quais eram as principais reivindicações dos alunos. Tinha bom trânsito entre professores e reitoria. Não era provável, mas venceu!
Começou a realizar reuniões quinzenais, a fim de discutir novas idéias, apresentar novas propostas, reduzir custos, dar voz à comunidade acadêmica. Entendia bem a situação dos alunos pobres. Daqueles que se desdobravam durante o dia para custearem os estudos à noite. Nunca abandonou suas origens, os anseios daqueles por quem lutava.
De repente alguém comentou: “por que não se candidata para vereador?” Dez segundos de silêncio... Não é que Diogo nunca havia pensado nisso, mas não acreditava que seria possível agora. Ainda faltava um ano para terminar seu curso.
Topou. A parada não era fácil, sabia. Porém, tinha um grande aliado: as pessoas que o apoiavam, incondicionalmente. Travaram uma longa campanha. Driblaram todos os obstáculos. Diogo conseguiu se eleger aos 21 anos como vereador. Ele não acreditava, mas era realidade.
Na câmara municipal começou a enxergar melhor a hipocrisia, o descompromisso, a ganância, a falta de ética. Não se via isso em todos os corredores, mas em grandes salas. Em reuniões, pouco se discutia benefícios para o povo. Começou a questionar seus ideais. Achou que era bobagem; não se preocupou. Recebia convites diários para coquetéis, encontros em hotéis cinco estrelas...
Já não se reunia com a mesma freqüência com a comunidade. Suas reuniões para discutir a transparência do mandato já eram mais espaçadas, quando eram realizadas. Diogo já não ouvia com a mesma intensidade os apelos dos seus eleitores/companheiros. Não queria perder tempo com a confecção de jornais. Já não julgava mais a transparência como essencial.
Comprou um belo apartamento; mudou-se da casa dos pais. Visitava-os de mês em mês; não tinha tempo. Viajava muito. Estava preocupado com sua campanha para deputado. Iria se candidatar.
Os amigos não se conformam com radical mudança. Como pode isso acontecer? Perguntavam-se! E seus ideais? Seus pais não acreditam.
Um grande colega de Diogo perguntou ao seu pai: “e o nosso notável político, como está?” Há muito não o via; não sabia o que se passara nos dois últimos anos.
O pai respondeu: “ASSASSINARAM MEU FILHO. Decapitaram sua coragem, esquartejaram sua honra, golpearam seu sentido de ajuda, fuzilaram seu brilho dos olhos, esfaquearam sua transparência.
Enfim, assassinaram-no. Quanto ao enterro, talvez quando se tornar deputado!”
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Gledson José Machado
é jornalista, amante da literatura, da poesia e das escritas.
É assessor de comunicação da Açoforja. Escreve todas
as quintas-feiras.
E-mail: gledsoncd@gmail.com
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