29/03/07 - Quinta-feira

DIFERENÇAS

O sol impunha toda sua força.

Sebastião usava seu velho chapéu de palha que já não era tão imponente. Nos pés trazia botinas de cores indefinidas, gastas pelo tempo. O mato estava alto, as pedras não ajudavam. A primeira enxadada fez com que os braços de Sebastião estremecessem. Respirou fundo. Não tinha comido nada ao levantar-se e andou três quilômetros até chegar ao sítio do Sr. Waldomiro, homem muito rico, de poucas amizades e escasso de valores éticos.

Há duas semanas o Sr. Waldomiro havia combinado com Sebastião a capina do seu sítio. Desempregado há três anos, Sebastião não pensou duas vezes: aceitou. Pai de dois meninos e uma menina vivia de bicos: pedreiro, carpinteiro, motorista e qualquer ocupação que lhe permitisse levar comida pra dentro de casa. Casado com Ellen há oitos anos viu que sua situação financeira não ia ficar nada boa ao ser despedido da metalúrgica onde trabalhava. Alegaram redução de custos. De lá pra cá não conseguiu outro emprego para exercer sua profissão. De tanto procurar, desistiu. Sebastião é homem simples, honesto de muitas amizades e consciente dos seus valores.

O preço da capina foi imposto pelo Sr. Waldomiro. Sebastião até tentou argumentar:
- Mas Sr. Waldomiro, é muito pouco! Vou levar, no mínimo, dois dias para terminar o serviço. É muita coisa!
- É pegar ou lagar. Se você não quiser, arrumo outro que queira.
- O senhor poderia me pagar, pelo menos, 50 reais.
- Cê tá louco! Acha que dinheiro dá em árvore? Não pago nem 1 real a mais que 35.
- Vou aceitar porque preciso, mas o senhor sabe que não é justo.
- Comece logo. Preciso disso limpo ainda esta semana.

Sebastião realmente não tinha muita escolha. Há quase uma semana não conseguia levantar um real. O que havia conseguido fazendo carreto com sua velha Kombi estava no fim. Ellen também se desdobrava para lavar e passar roupas pra fora.

Eles se conheceram na roça, na casa do pai de Ellen. Namoraram durante dois anos e se casaram. Compraram uma pequena casa na cidade, para aonde mudaram assim que Sebastião arrumou um emprego como metalúrgico. Primeiro veio o Rennê, depois o Rodrigo e, por fim a caçula, Camila. Apesar das dificuldades financeiras, vivem num clima de respeito, harmonia e muito trabalho.

Sebastião sentia que o Sr. Waldomiro sabia aproveitar-se das fraquezas do outro. Engoliu as lágrimas, passou a mão na enxada e foi pra empreitada. O terreno pedregoso não ajudava. A cada enxadada, conseguia mentalizar a comida que levaria pra casa. Pensava em seus filhos.

A noite chegou. Sebastião tinha o rosto cansado, mas conseguiu mudá-lo ao ver seus filhos e esposa. Ellen tinha uma beleza singular de mulher que não se entrega, que luta contra as adversidades da vida sem procurar culpados. Sebastião a beijou e disse mansamente:
- Amanhã trago algum mantimento.
- Sinto que está angustiado, disse Ellen.
- A cada dia me decepciono mais com as pessoas.
- Não fique assim Tião. As coisas vão se ajeitar!
- Às vezes tenho medo.
- Eu também, mas não podemos desanimar.
- E as crianças, como passaram o dia?
- Foi tudo bem. Hoje elas comeram arroz e angu. Ficaram felizes.
- Prometo que essa situação vai melhorar.
- Sei que você está fazendo o possível para isso.

Sebastião não conseguiu conversar por muito mais tempo. Deu um beijo em Ellen, abençoou seus filhos, comeu um pedaço de pão dormido, dormiu.

Sua ansiedade para terminar o serviço, pegar o dinheiro e comprar comida era muita.

As cinco da manhã já estava a caminho da capina. Começou. Parou só pra comer o prato de feijão que Ellen havia preparado. As três da tarde tinha acabado o serviço. Foi procurar o Sr. Waldomiro.
- Por favor, o Sr. Waldomiro.
- Ele viajou, volta semana que vem.
- Ele deixou o dinheiro da capina?
- Não, disse que quando chegasse, acertava.
- Mas eu preciso do dinheiro, preciso levar comida pra casa.
- Sinto muito senhor, mas o acerto é com ele.

Desta vez Sebastião não conseguiu engolir as lágrimas. Sentiu a vida mais frágil, sem confiança nas pessoas. Escorou o queixo no cabo da enxada como se quisesse, naquele momento, dormir e não acreditar no que ouvira.

Sentia vergonha em voltar pra casa sem comida. Ele sabia que Ellen entenderia, mas e seu orgulho... Voltou de cabeça baixa. Contou a Ellen o que acontecera. Como ele previa, ela entendeu. Ouviu alguém gritar seu nome:
- O Tião.
Era o leiteiro. Sebastião o devia 20 reais.
- Oi Zé!
- Vim buscar o dinheiro do leite Tião.
Sebastião enfiou a mão no bolso, tirou duas notas amassadas e pagou o Zé.
- Tá aqui Zé. Está separado há muito tempo.
- Obrigado Tião. Quem dera se a metade dos meus clientes fosse igual a você.
Sebastião sorriu.

Aprendera desde cedo valores duradouros. Esforçava-se, com todo sacrifício, para não descumpri-los. Até agora, conseguiu.

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Gledson José Machado é jornalista, amante da literatura, da poesia e das escritas. É assessor de comunicação da Açoforja. Escreve todas as quintas-feiras.
E-mail: gledsoncd@gmail.com

 
 

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