
01/10/07
O poder dos atos repetitivos
Acho que perdi a escrita depois
de tanto tempo perdido nela. Antes as letras, palavras e
frases embaralhavam-se em confusões coordenadas e
sentido obscuro. Hoje, falta-me a desordenação
e sobra-me a objetividade. Fui contaminado pela rotina,
na verdade, acho que a contaminação já
é antiga, os sintomas sim, agravaram-se recentemente.
É incrível o poder dos atos repetitivos. Tão
surpreendente quanto o relógio instalado no meu cérebro,
com funções de despertador, cronômetro
e contagem regressiva.
Já notaram os sorrisos,
os cumprimentos, as frases prontas e até as alegrias
encenadas no dia-a-dia? Muito pouco na nossa vida parece
real. É como se acordássemos sedentos pelo
fim do dia, sem sequer notarmos o entorno. Acordamos na
segunda ansiosos pela sexta, tristes porque o domingo chegou
tão rápido. Tristes pela infância irresponsável
e longínqua, tristes pela adolescência volátil,
infelizes com peso da maturidade e saudosos quando vivenciamos
a velhice. Parece-me haver uma busca natural do ser humano
pela velhice. E quando se chega lá, é como
chegar ao pico de uma montanha e ver tudo sob um contexto
muito mais amplo, porém sem possibilidades descer
de volta ao passado.
Usamos com a maior naturalidade
- e sem o risco de contestabilidade - os anos como unidade
de medida da vida. "Fulano faleceu tão jovem,
coitado! Tanta coisa ainda pra viver." Supondo que
quinze, vinte, trinta anos, não fossem suficientes
para conhecer as agruras da vida e deliciar-se nas alegrias
momentâneas. A felicidade não é moeda
que se soma e se acumula, a felicidade é parceira
do átimo e inimiga da rotina, por isso não
se mostra contínua e por isso sempre nos surpreende
com emoções imprevisíveis. Já
a tristeza não, essa deixa cicatrizes cumulativas
no decorrer da vida. Cicatrizes de feridas "curadas"
pela rotina, pedaços afetados pela insensibilidade.
Aí eu lhe pergunto: Está certo compactuarmos
com a idéia universal de que os anos são a
unidade de medida da vida? Está certo lutarmos por
objetivos futuros em vez de vivermos plenamente o presente?
São irresponsáveis as suscitações
geradas por essas perguntas? Ou melhor, tudo isso já
é sabido por nós, porém não
podemos nunca viver a vida sem planejar o futuro?
Já lhe acometeu que
não somos guias nem donos da nossa vida? Por mais
que viver sob a perspectiva da morte pareça algo
pessimista, para mim é o mais sensato - e o mais
difícil também. Felizes os praticantes dessa
premissa, pois são os únicos capazes de driblar
a rotina e tornarem-se grandes amigos do tempo. Donos do
tempo, eu diria. Pois, se existe algo real e concreto, aposto
todas as minhas fichas na relatividade do tempo. E quem
sabe, até a do próprio espaço.
_________________________________________________
Túlio Gonçalves
é formado em Administração de Empresas
e é Cozinheiro, título conferido pelo SENAC-MG.
Amante da culinária versátil, tem a Administração
como hobby e a literatura como válvula de escape.
Adora embaralhar palavras, rimas e pensamentos... e fazer
rir, e chorar e sorrir. Escreve aqui bimestralmente e mantém
o site www.
feitoculinario.com.
Fale com ele: tuliogoncalves@feitoculinario.com
|