
13/08/07
Deixar
de estar perto?
Distante, o aroma lançava
um primeiro convite. Sabores de casa, de ambiente acolhedor.
Um fundo musical mais discreto que o normal, tímido,
receoso. Não havia ninguém por perto, mas
tudo parecia grandiosamente fantástico. Que cores,
que detalhes! O armário, os brinquedos, o reflexo
do vidro na janela. Tudo tão simples, tão
bonito. Meus olhos contemplavam, sem levar ninguém
a julgamento. Boto a boca no mundo para atrair companhia?
Depois, os primeiros passos.
Sozinho pela primeira vez, uma nova turma. Pessoas diferentes,
saudade de casa, choros (vivos e contidos). Experimentando
o mundo. A primeira namorada (com quem me casei na festa
junina do pré-primário), a primeira vaia (no
vôlei), um grande amigo que muda de cidade. Mudar
de escola, novas pessoas. Até logo (até quando),
amigos antigos? Crescer é ampliar, perder ou limitar
contatos?
No escritório, pensava
nos dias passados. Datas amistosas desfilavam em flashes,
lutando por um espaço privilegiado na memória.
Na mesa, papéis, relatórios, compromissos
(que nem são meus). Valera a pena? Cada minuto, cuidadosamente
vivido, fora resposta para justificar o caminho seguido?
Bom, ela, fez sentido, casamento, filhos. Dúvida
aliviada, momentos felizes, questionamentos em segundo plano.
Da varanda, nenhum arrependimento.
A cadeira, que ora embala, ora balança, mostra o
ciclo. Vida que dança, encanta e desconcerta, se
cala discreta, num suspiro vazio, feroz e corrido, que não
condiz com o que fiz, o que vi e quem sou eu. Incoerente?
Na verdade, experiente. E com marcas de expressão
colhidas em vida, anuncio a minha partida, num gesto, sem
verso. Pobre daquele que pensa no ir embora
como um eterno deixar de estar perto...
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Guilherme Amorim
é um mineiro simples, metido
a organizado e que sobrevive sem estantes. Além de
devoto da Mega Sena, irônico e canhoto fervoroso,
é jornalista. Escreve mensalmente na coluna Trejeitos.
E-mail: guilbh@gmail.com
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