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Sexta-feira - 30/03/07
Desabafo
Duvido da minha idade. Velha e ranzinza aos vinte e dois anos, pode? Pode não. Sou. É triste a constatação que o tempo passou rápido por esses vinte dois anos que eu sou fora de moda, ou, se preferir.
Sou do tempo em que as havaianas eram chinelos e não sandálias. Não eram chiques, ao contrário, eram a cara da pobreza. Tinham de dois tipos: brancas de tiras azuis ou amarelas. Nada fashions, custavam pouco e calçavam a ralé. Os bambambãs da moda calçavam belas sandálias de tiras de pano, daquelas que se molhavam, não secavam nunca!
Sou do tempo em que o paletó da Adidas, aquele azul marinho com três listrinhas brancas eram sinônimo de uniforme dos grupos escolares. Passavam longe dos guarda-roupas da classe média. Ironia do destino, Adidas hoje é peça de luxo, dá status. Assim era também o all star. Um tênis barato, perfeito para o orçamento de famílias como a minha. Éramos três filhos, todos usávamos all star.
Sou do tempo em que Big Brother era personagem de um livro intitulado 1984. Um tempo em que Pedro Bial era jornalista e sabia que heróis não eram aqueles que ficavam confinados numa casa para satisfazer os prazeres de uma sociedade de voyers.
Sou do tempo em que um curso superior era sinônimo de emprego garantido. Nesse tempo a formatura não significava a passagem de jovens-futuro-do-país em problema social. Mas a consagração de um futuro certo e promissor.
Sou do tempo que o Lula era a esperança do povo no poder. Lembro bem que meu pai me levava nos ombros para assistir passeatas na Praça da Estação. Eu lá, menina ainda, sem saber muito bem o que isso significava com a bandeirinha cantando “Lula-lá, com sinceridade...”.
Sou do tempo em que na guerra preservavam-se mulheres e crianças. João Hélio seria só mais uma criança, assim como a menina do metrô ou a universitária carioca. Não seriam estatísticas e triste lembrança...
Sou do tempo da Varig, dos vôos com lanchinhos e sem atrasos. Tudo às claras. Nada de apagão. Agora nada de ir de Varig, o negócio é ir de Gol, se os controladores de vôo assim nos permitirem. Sou do tempo em que a água era abundante e o mar ainda tava pra peixe. Sou do tempo em que era possível distinguir polícia e ladrão. Sou do tempo em que se esperava tempos melhores...
Um tanto nostálgica, tenho consciência que estou ficando velha e ranzinza. O mundo anda mundano demais pro meu gosto. E velha e ranzinza, me acho mais sensata que o mundo em que vivo, um tanto perdido.
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Thaís
Palhares é
belorizontina de nascença. Palhares de pai. Fernandes de
mãe. Thaís de comum acordo. Jornalista por opção
e por convicção. Escritora por paixão. Viva,
por isso, incansável. Escreve aqui todas as sextas-feiras.
Fale com ela: thaisgalak@gmail.com |
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