
13/08/07
Se vodka não se chamasse vodka
teria ela diferente sabor?
Acordou com a boca seca e logo
sentiu o cheiro de álcool que impregnava o pouco
de ar que havia no pequeno quarto. E aquela espelunca poderia
ser chamada de quarto? Do ângulo que olhava dava pra
enxergar as latas de cerveja espalhadas no chão,
uma garrafa de vodka barata pela metade e um resto de coca-cola
sobre a mesa que, supostamente, era de estudos. A maldita
mosca agora pousava sobre o bico da pet de 600 ml emporcalhando
o resto daquele refrigerante preto que ele ainda pretendia
beber pra curar um pouco da ressaca. Havia também
uma calcinha jogada sobre a cabeceira da cadeira. Calcinha
engraçada essa, ele pensava, tinha estrelinhas pretas
e rendinhas azuis, parecia coisa de criança. E foi
só aí que ele se deu conta de que o peso que
sentia sobre seu braço não era somente o travesseiro
babado. Havia uma mulher ali em sua cama. Meu deus, que
mulher é essa? Perguntou-se olhando de soslaio para
não fazer movimentos bruscos. Cabelos loiros, tatuagem
de flor e corpinho bacana. Ele então, num esforço
sobrenatural, foi aos poucos recobrando a noite anterior
em sua memória ébria. Eu a conheci naquele
bar, não, naquela boate gay. Já sei, ela é
amiga daquele amigo meu que agora eu não me lembro
o nome. É um apelido idiota, algo como mussa, guta,
mark, muzzi... Ah, pro inferno! eu preciso saber o nome
dela e não o dele! Mari! Era Mari o nome da garota
que era amiga do seu amigo de apelido idiota e que ele havia
conhecido na boate gay.
Agora ele lembrava do exato flash de momento em que ela
falava entre um beijo desesperado e uma unhada nas costas:
vamos embora? Com aquela insuportável música
alta, ele não a escutava mas via sua boca se mexendo
e proferindo as palavras em meio a desvairadas luzes piscantes.
Ele então disse que ia ao banheiro e lá vomitou
aquela coisa meio vermelha, que lhe causou certa aflição
pela sua semelhança com sangue, até se lembrar,
segundos depois, de que havia bebido umas tantas caipis
não sei o que de frutas vermelhas. Porra de bebida
de bicha! Ele resmungou ao cambalear pelo corredor do banheiro.
Ela então se mexia, parecendo acordar. Mari, mari,
mari, se esforçava para não se esquecer novamente.
Então novos flashes foram surgindo. Ele jogava sinuca
num buteco sujo antes da boate e a loira já estava
lá se insinuando. Ou seria outra loira? Não
dava pra saber porque, mesmo que ele conseguisse visualizar
o rosto da mulher deitada em seu ombro, lá no buteco
estava escuro e ele era um míope sem óculos.
Isso! A tal loira percebia suas caretas de cegueta a cada
tacada e, usando o pretexto, iniciava uma conversa perguntando-lhe
como conseguia enxergar sem óculos, já que
era descaradamente míope. Eu não enxergo,
mas em compensação desenvolvi melhor os outros
sentidos. Por que diabos eu me lembro dessa cantada ridícula
e não me lembro nem fudendo (ou será fudendo?)
do raio do nome dessa infeliz? Recordou-se também
do desentendimento com seu parceiro de jogo porque encaçapara
a bola da dupla adversária. Alguns instantes depois
conversara ainda por um bom tempo no celular com uma pessoa
a qual ele não fazia idéia de quem fosse.
Preciso parar de beber, pensava ao mirar os pés da
menina que agora se mexiam. Ela acordou e levantou o rosto.
Feições jovens e bonitas, maquiagem borrada
e marca de baba na face esquerda. Ela ajeitou inutilmente
os cabelos, coçou os olhos, sorriu e começou
a se vestir. Preciso ir embora, onde posso pegar um ônibus
para o centro? Olha Mari, você faz o seguinte... Ela
o interrompeu. Não é Mari é Dani.
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Lira Turrer é
jornalista e escritora. Apaixonada pela literatura e inspirada
pelos fatos corriqueiros que permeiam a comédia do
cotidiano. Escreve aqui todas as segundas. Fale com ela:
liratd@yahoo.com.br
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