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A história trágica desse promissor antropólogo, perdida nos anos e na memória, torna-se o ponto de partida da narrativa de Bernardo de Carvalho. Como recurso literário, o autor projeta em seu texto fotos e personagens da década de 30, retratando pessoas reais e/ou imaginárias, localizadas em espaços geográficos delimitados. Tendo como base o caso de Buell Quain, Bernardo vai entrelaçando realidade e ficção, histórias mais ou menos documentadas, numa visão parcial. Diante da impossibilidade de apreender o real na sua totalidade, a literatura, em sua estruturação ficcional, ganha o território do incerto e do inquietante, do que ainda não foi. O romance é uma narrativa paranóica por apresentar um jogo estonteante entre o falso e o verdadeiro e por ser uma escrita alucinada, com idas e voltas e que se direciona para frente ou para trás, numa acumulação interminável de narrações que se prendem às figuras de testemunhantes que relatam o absolutamente verdadeiro ao mesmo tempo o falso e o inverossímil. O que se presencia são textos que se preenchem ou não, e o narrador torna-se o intermediário que conecta os segmentos vazios e ilegíveis desses textos. Na esteira de uma linguagem multifacetada, o fragmento é o protagonista que atravessa o discurso do ontem e do hoje. Juntar fragmentos documentais pressupõe elos e são estes que constituem o discurso do outro que se dilui nas frestas deixadas ou encontradas. Essa narrativa enviesada que segue os vazios deixados pelos ausentes, em que os mortos tornam-se modelos para os vivos, perturba o leitor em permanente deslocamento diante das buscas. O leitor, também detetive, ocupa um centro privilegiado na compreensão do sentido único para o texto. Esse, interpelado pelo autor, vê o texto, lendo-o como uma carta pessoal com suas inerentes interpretações críticas.
Nove Noites é uma prosa escorregadia, cheia de ciladas
para o leitor. É um romance que elege uma escrita alucinada
que se divide em duas narrativas que se iluminam e não
se completam, deixando quem lê com a sensação
de que não é possível acreditar em mais nada
e nem, até mesmo, no próprio livro. A verdade parece
estar mesmo perdida e tudo se projeta como simulacros de realidade
em um texto enigmático, com tempos que coexistem, num ritmo
quebrado de um processo não linear e em espaços
que se entrecruzam. Assim, resta a crença de que, como
o próprio Bernardo enfatiza, as histórias
dependem antes de tudo da confiança de quem as ouve, e
da capacidade de interpretá-las.
09/03/07
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