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Finalmente Martin Scorsese foi premiado com o Oscar. Depois de cinco indicações e a dúvida sempre presente se dessa vez o diretor iria ou não ganhar a estatueta, ele foi consagrado em dose dupla: melhor diretor e melhor filme com Os Infiltrados, que ainda ficou com os prêmios de melhor montagem e roteiro adaptado. Merecido? Bom, talvez nem tanto pelo filme, mas com certeza pelo conjunto da obra. Muito se fala da decadência de Scorsese em seus últimos filmes, o que discordo. É fato que muito diferente de assistir apenas um título e analisá-lo isoladamente é buscar compreender toda a construção histórica e conceitual desenvolvida pelo diretor durante sua trajetória cinematográfica. Por exemplo, um filme muito criticado da sua atual safra é Guangues de Nova York, com características scorsesiana por excelência. O diretor sempre abordou a violência e a maneira em que está presente em Nova York, dessa maneira, nada melhor do que filmar como se iniciou toda essa história. Além disso, a Igreja Católica também é um importante aspecto da filmografia desse diretor, constantemente citada no filme. Para quem não sabe, Scorsese é católico devoto e na sua adolescência chegou a ficar em dúvidas entre estudar cinema ou teologia. Prosseguindo, temos em O Aviador, Howard Hughes, um personagem tipicamente vivido nos tramas de Scorsese - um homem solitário, mas com compulsões trágicas, que nos remetem ao taxista Travis Bickle de Taxi Driver ou o pugilista Jake La Motta de Touro Indomável. Porém, vamos nos concentrar em abordar Os Infiltrados, em que Scorsese volta a realizar um cinema de máfia, de gênero, como nos anteriores Bons Companheiros e Cassino. Logo na seqüência de abertura, anterior ao surgimento do título, o filme se mostra espetacularmente interessante. Inicialmente, ele nos remete a imagens de Boston de alguns anos atrás, com críticas à Igreja e ao racismo e a fala de Frank Costello em off: “Não quero ser produto do meu ambiente. Quero que meu ambiente seja produto de mim”. Logo depois a imagem do chefe da máfia, com um travelling já tradicional nas obras de Scorsese. Aliás, esse início, especificamente, é perfeito esteticamente. Variados movimentos de câmera, além do travelling já citado, são usados plongeés, planos abertos e fechados. Além disso, uma montagem bastante eficiente com cortes rápidos ou planos mais longos, dependendo da situação e uma trilha sonora muito bem elaborada. São nesses momentos iniciais também que alguns dos personagens são apresentados. Colin Sullivan (o carinho desde criança com Costello, a ascensão a tenente, a admiração pelo domo da Assembléia Legislativa de Boston), Billy Costigan (o esforço em se tornar policial, sua dificuldade em conviver com o passado familiar, o preconceito dos tenentes diante do jovem), além do detetive Digman, com seu mau humor e ironia peculiar. Finalizando esse momento célebre, temos um travelling (maravilhoso, por sinal) de Costigan na cadeia e Sullivan no novo apartamento, numa montagem paralela, e, enquanto isso, a trilha reaparece com o presidiário fazendo exercícios, o que nos remete ao personagem de Robert de Niro em Cabo do Medo. Aí sim, o título: The Departed. O roteiro: o policial Billy Costigan se infiltra na máfia chefiada por Frank Costello e tem como missão ajudar que os detetives Dignam e Oliver Queenan consigam colher provas suficientes para prendê-lo. Porém, o mafioso também tem suas armas e deixa infiltrado na polícia um jovem homem de sua confiança, Colin Sullivan, que cresce rapidamente dentro da instituição. A partir daí, cada um à sua maneira, e, mais moderno do que nunca, tendo o telefone celular como artifício número ‘1’, os infiltrados tentam levar para seus respectivos chefes informações sobre a “equipe” adversária. O que eles não sabem é que estão envolvidos por uma mesma mulher, a psicanalista Madolyn, ao mesmo tempo namorada de Colin e tendo um caso com Billy. E também em Os Infiltrados, durante várias cenas, podemos observar clássicos momentos scorsesianos, como a cena em que Costello e Sullivan se encontram em um cinema de filme pornô nos remetendo a Travis Bickle, ou mesmo a própria infiltração, já realizada anteriormente em Gangues de Nova York, quando Amsterdam retorna à Nova York com o objetivo de se infiltrar no grupo Nativista para matar o líder Bill-the Butcher e vingar a morte do pai. Isso para não dizer de temas demasiadamente recorrentes como racismo, violência e religião. Além disso, as reações de Leonardo DiCaprio e Ray Winstone, na cena em que Billy Costigan dá uma cotovela em Jimmy Bags pensando que ele iria sacar uma arma e French o olha com reprovação, nos remete a clássica cena de Bons Companheiros “funny how?”. DiCaprio ficaria no lugar de Ray Liotta, sem saber o que falar diante a reação do companheiro, Winstone e Joe Pesci, respectivamente. Scorsese acerta em cheio não só nas escolhas dos atores, como na profundidade dos personagens. Sullivan, um homem de boa aparência, ambicioso, o que facilita com que se torne rapidamente sargento na polícia de Boston, é também simpático e educado. Além disso, o infiltrado da máfia na polícia gosta de se sentir superior, exceto quando o assunto é com Frank Costello, por quem tem uma admiração grande e o chama de pai. O chefe da máfia, aliás, é muito bem interpretado por Jack Nicholson, que contrasta sua posição de destaque com cenas em que usa pênis de borracha ou desenhos de freiras nuas. Não podemos deixar de citar, claro, a participação de Leonardo DiCaprio, não só no filme, como nas últimas obras de Scorsese. Realizando a função antes exercida por Robert de Niro, que já atuou em sete longas dirigido pelo cineasta (Taxi Driver; New York, New York; Touro Indomável; O Rei da Comédia; Os Bons Companheiros; Cabo do Medo e Cassino), DiCaprio é hoje o nome de confiança do diretor. Na parceria já foram realizados três filmes: Gangues de Nova York, O Aviador e Os Infiltrados. E se o ator não foi necessariamente bem no primeiro, onde se encontra excessivamente introspectivo, não podemos dizer o mesmo dos posteriores. Em O Aviador o ator está brilhante como Howard Hughes, um personagem complicado que tem inúmeros conflitos internos e sonhos demasiados. Já em Os Infiltrados, Leonardo DiCaprio encara um personagem também trágico, devido a má reputação de seus familiares e, consequentemente, preconceitos, devido a isso. Um sujeito que facilmente “perde a cabeça” e que acaba se drogando para tentar fugir da realidade. E mesmo diante de toda essa complexidade DiCaprio se sai muito bem. Porém, isso não é surpresa alguma para quem já conhece seus trabalhos anteriores. Se o ator ficou marcado pelo meloso Jack Dawson em Titanic, não podemos dizer o mesmo do restante da careira, afinal, realizou papéis memoráveis como o deficiente mental, Arnie Grape, em Gilbert Grape ou Frank Abagnale Jr de Prenda-me se for Capaz. Interessante ressaltar também que após a morte, estúpida por sinal, de Costello, inúmeros assassinatos ocorrem em questão de minutos, mostrando que era ele quem coordenava todos aqueles “ratos”. Finalizando, o belíssimo último plano do filme: após a morte de Sullivan a câmera remete a um rato que anda no corrimão e posteriormente ao domo da Assembléia Legislativa de Boston, retratando a mediocridade e o poder, que andam lado a lado. Obs: apesar de uma boa montagem realizada por Thelma Schoonmaker, acredito que seria mais merecido o Oscar para o excelente trabalho de Clare Douglas, Richard Pearson e Christopher Rouse em Vôo United 93.
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