E para que o leitor se lembre:
Renan Calheiros (PMDB-AL) é acusado de ter despesas pagas por um lobista da empresa Mendes Júnior, de ter beneficiado a cervejaria Schincariol em troca de vantagens pessoais e de ter comprado empresas de comunicação por meio de laranjas.
 

22/07/07
Olympia, a fêmea-valise
Distante da mitologia comum à arte pictórica do oitocentos e mais próxima da realidade objetiva do pequeno-burguês da sua época, a prostituta de Manet causou indignação na sua estréia. Tanta que virou ícone. Ou um profícuo “significante”.

Olympia - Édouard Manet, 1863

Reza a lenda que a polícia foi extremamente necessária para a vida de Édouard Manet no ano de 1865. Tudo isso por causa de um seu nu reclinado, a qual ele dera o nome de Olympia (1863). Desta anedota (ou não), variam de dois a vários policiais, a escolta do grande pintor realista. Até o gato preto ouriçado no canto direito da tela serviu de mote para uma possível “salvação” de Manet, como num artigo do crítico Ravenel, em que ele diz: “o gato arqueando as costas faz o visitante rir e relaxar; é o que salva Manet de uma execução popular”.

Mas não interessa tanto a anedota. O mesmo Ravenel diria no mesmo artigo que a bela cortesã era uma “insurreição armada no campo da burguesia” ou um “copo de água gelada que cada visitante recebe no rosto”. Fato é que ela despertou o interesse de um punhado de gente, inclusive dos grandes e aclamados Picasso e Gauguin, se quisermos ficar nos nomes mais famosos. O olhar reto, pouco metafísico, mostra sua influência direta na famosa tela Les demoiselles d’Avignon (1907), cânone cubista de 50 anos depois – além de toda uma gama de alcances diretos e indiretos, como, por exemplo, o mameluco trabalhador de Portinari em O mestiço (1934) e a Uma moderna Olympia de Cézanne (1874).

Manao Tupapau - Gauguin, 1892
Da parte de Gauguin, até uma cópia (1891) foi feita. O pintor francês incluiu no seu sofisticado jogo de símbolos uma diversidade de pequenas referências à obra, como em Manao tupapau (1892) e no perverso A perda da virgindade (1891).

Gauguin - A perda da virgindade, 1891


Mas no caso específico de Gauguin, as pretensões parecem ser mais complexas: ele manipula símbolos que se revelam muitas vezes para nós elementos de significado datado. Não é o caso da raposa (substituindo o gato de Olympia e, provavelmente, servindo de auto-ironia) em A perda da virgindade, que certamente indica astúcia e perversidade, mas geralmente esses símbolos denotam para o simbolismo algo que nem chega a conotar para um observador de hoje.

Émile Bernard - Madeleine no bosque do amor, 1888
Mas Olympia, ao contrário, não se esvazia de significado com muita facilidade. Sempre está presente, mesmo quando deslocada ou diluída num efeito estilístico distante. As formas simplificadas e os planos chapados de cores brilhantes dos gauguins que a seguiram são bons exemplos: há ali ainda muita dívida para com o “instituinte” da moça-meretriz. A conjunção específica de A perda da virgindade, por exemplo, parece comprimir num único espaço algo como Madeleine no bosque do amor (1888), de Émile Bernard e o Manet famoso. Mas, mesmo aqui, onde parece haver muito mais de Bernard, o resquício de Olympia ainda parece significativo.

No gauguin e no Bernard há uma configuração da inocência e da distância prática do elemento feminino, entregando essas figuras a uma aproximação do componente místico. As donzelas dos dois não têm força, porque estão ligadas a um primitivismo formal e ideológico próprio dos fins do século XIX, e de pintores chamados primitivistas (que buscavam elementos restauradores de raízes face ao desenvolvimento das metrópoles modernas, em destaque Paris). Em tais telas, o feminino era esquematicamente representado como o “outro”, como o elemento mais próximo à natureza – portanto, o reverso do crescimento das metrópoles.

Sendo assim, do elemento político ao simbólico, a “civilidade” da Olympia revigora uma inspiração mais duradoura que a prática simbolista dos seus mais diretos afluentes. É que ela joga diretamente com um gesto que passa dele próprio ao seu significado – ao contrário de uma flor pintada murcha para simbolizar uma virgindade perdida. Com isso, seu leito sempre aceita novas afluências, novas congruências. Mas ela, por si, não aceita menos do que seu efeito mínimo de grandiosidade: não perde o seu radical antigo.

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Ícaro Moreno Ramos é jornalista, músico e fotógrafo. Pós-graduando em História da Cultura e da Arte pela Universidade Federal de Minas Gerais, aprecia composições alucinadas, artistas sagazes e poesia. Tímido, porém astuto, esse devorador de livros é adepto das mais diversas filosofias, porque Metafísica, Estética, Lógica e boteco têm sempre o seu lugar. Escreve todas as sextas-feiras na coluna Retalhos Culturais. E-



   
 
 

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