01/03/07
Em seus sonhos, eu sonhava

A noite fresca e calma fez com que ele dormisse em meus braços.

Seu calor, sua respiração e seu ar de despreocupado me aconchegavam. Ele até sorria de vez em quando; um sorriso descompassado, sem presa. Em meus braços sentia o peso que outrora não se destacava. Seu nome é Caio. Pouco cabelo, belos olhares, um sorriso sem dente, mas de magia sem igual, quase oito quilos. Há muito pouco nos acompanha, mas já enche de vida tantas outras. Sabe chorar quando preciso, às vezes até quando acho não ser tão necessário. Sorrir sempre. Creio que seja para justificar seu nome, que se origina do latim e quer dizer alegria, felicidade.

Em meus braços procuro entender melhor seu rosto. Tento sentir sua respiração, aqueles suspiros. Caio me ensinou muitas coisas: desacelerou meu cotidiano; me deu mais ritmo. Ele me preocupa. Não sei o que posso deixar como herança, quais valores ele assimilará, qual perspectiva de vida terá, que meio ambiente encontrará, talvez já não encontre o meio. A paz que tenho em meu colo contradiz com o que leio nos jornais, com o que assisto na tv, com o que ouço cotidianamente no rádio. A violência me apavora.

Não espero o melhor país para o Caio, mas espero um Brasil em que se possa viver. Em que as pessoas se entendam através do diálogo. Em que a sociedade não seja tão humilhada. Em que as pessoas tenham orgulho de ser brasileiros. Esse Brasil que hoje me assusta, amanhã fará o mesmo com o Caio? Apesar de torcer para que não, a dúvida é quase inexistente, sobrevive porque é de safra nobre, prima do otimismo.

A cada página de política, minhas angústias aumentam; resisto e garimpo. Pior, encontro muitos deputados aposentados. A violência urbana toma conta de muitas páginas. Matança desenfreada. Caio dá um grande suspiro em meu colo, suspiro junto em reflexões que me tiram a paz.

São 10 da noite. Há exatos 149 dias nascia o Caio, 15 minutos a mais das horas marcadas agora no relógio da parede. Aqueles 54cm de outubro agora estão mais imponentes, assim como seus idos 3.650kg. As cólicas aparecem só de vez em quando. Seu corpo está mais firme; seu olhar mais penetrante. Suas possíveis palavras ainda são indecifráveis, mas já se pode ouvir uma bela cantoria: “Aaauuuueeeee....”

Acho que há muito tempo ele já sabe quem eu sou. Intuição de pai. Vez ou outra ele finge que esquece, mas é só começar as brincadeiras que ele se lembra. Brinco que teremos um país com mais educação e mais leitores, com políticos honestos e respeitáveis, com pessoas boas. Brinco que meu tempo será sempre em sua função. Brinco que aquele verde será duradouro. Brinco...

Sei que por mais que vivenciamos coisas ruins e bárbaras, há espaço para homens de bem. Acredito nisso para o Caio, pois se eu não incitar esse sonho em meu filho, sua esperança morrerá. Acredito em novas cabeças pensantes, que possam entender a educação como base, para que não morram crianças e adultos inocentes, vítimas de uma guerra em que não estão dispostos a lutar.

Caio dorme em meus braços. Enquanto sonha dormindo, faço mesmo, acordado.

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Gledson José Machado é jornalista, amante da literatura, da poesia e das escritas. É assessor de comunicação da Açoforja. Escreve todas as quintas-feiras.
E-mail: gledsoncd@gmail.com

 
 

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