Dentro do vagão sentou se ao lado de uma mulher muito bonita, que chamou-lhe a atenção. Algo naquele rosto era muito familiar, não conseguia destingüir. Notou também que em sua mão esquerda havia uma aliança dourada.

Foto: Paulo Arias

 


12/09/07
O Náufrago Urbano


-19h00min.

Era o horário tão esperado.
Ele levanta tira sua jaqueta, não estava frio, resolvera pegar o metrô.

- Térreo.

Disse Paulo, ascensorista do prédio onde trabalhava a 10 anos. Nunca percebera nada de diferente naquele cubículo com cheiro de mofo e, lerdo como uma tartaruga, também não conversava com o ascensorista, um velho, surdo, ou pelo menos fingia ser. Sentia-se sempre desconfortável com aquele silêncio sepulcral que se instalava, assim que punha seus pés lá. A não ser quando trocavam o carpete, ele notava algo de diferente.

No balcão do hall ficava o Júnior, um rapaz de 30 anos que não parecia ter mais de 20 anos. Saindo do prédio, caminhou pela rua, como sempre fazia. Não gostava de trombar nas pessoas, apenas o contato com estranhos o deixava incomodado.

Parou e acendeu um de seus cigarros, mas lembrou que não tinha nada para comer em casa, morava sozinho, aliás, nunca viveu muito tempo com alguém. Estava cansado daquela monotonia - casa – trabalho - casa.

Não sabia o porquê, sempre brigava com quem estivesse e sempre o chamavam de frio. Nunca entendeu muito bem esse “frio”, que todos diziam. Filho de família pobre perdeu seus pais ainda muito cedo. E teve que se virar para sobreviver e fazer sua vida. Viveu nas ruas, foi morar em casa de família para arrumar dinheiro. Hoje um grande ostentava um bom cargo em uma empresa de cobranças.

Tinha certa inveja das pessoas, na verdade o que lhe incomodava era que todas as pessoas nas ruas conseguiam sorrir. Ele a muito não sorria, aliás, não sabia quando havia sorrido pela última vez.

- Deve ter sido no final da copa. Certo de que havia desvendado o mistério.

Detestava àquela gritaria, àquela histeria o deixava extremamente mal-humorado.
Gargalhou de si mesmo, não reconheceu aquele som, quando notou que olhares estranhos foram direcionados à sua direção. Comprou, pães, um desses macarrões instantâneos, ovos e um salgado para comer no caminho até a estação de metrô.

Chegando à Estação Central, observa um senhor, mendigo de profissão, sentado à margem da escada que leva ao embarque dos passageiros, pedindo.

-O senhor pode me ajudar? Disse o velho, estendendo, com as mãos sujas uma caixinha igualmente velha e suja.

Ao passo que ele olha e deixa o salgado sem nada dizer.

- Obrigado! Diz o velho.

- Nunca consigo comer perto deste tipo de pessoa. Será que esse povo não gosta de trabalhar? Ele pensa. – Já devem ter se acostumado com dinheiro fácil, a pedir, ao ócio.
Completando seu raciocínio.

Chegou à estação às 19h30min, o relógio na plataforma e aquela multidão parecia que iam sufocá-lo. O metrô passou exatamente às 19h45min. Entrou no último vagão, exatamente como sempre fazia.

Dentro do vagão sentou se ao lado de uma mulher muito bonita, que chamou-lhe a atenção. Algo naquele rosto era muito familiar, não conseguia destingüir. Notou também que em sua mão esquerda havia uma aliança dourada.

- Casada! Lamentou indiscretamente.

Mas aquela situação o deixou encabulado, aquele rosto. Por que o incomodava tanto? De onde era aquele sorriso, por que era tão feliz? A moça e seu esposo desceram na estação seguinte a qual ele entrou. Ele ainda esperaria mais um pouco. A fisionomia daquela mulher, ficara em sua cabeça. Chegou a sua casa; guardou os pães e os ovos, resolvera comer o macarrão. Pôs a água para esquentar, ao jogar o macarrão queimou levemente a mão, foi ao banheiro passar pasta d’água.

Lavando as mãos lembrou-se de quando criança, sua mãe falava que:

- Pasta d’água é o melhor remédio para queimaduras.

Uma sensação de bem estar o invadiu, sentiu saudades da infância, de seus pais, de ter alguém esperando por ele e, se lembrou da mulher do metrô. Lembrou-se de sua fisionomia tão familiar, e uma expressão que não reconhecia em si foi esboçada no espelho, reconheceu em si o sorriso daquela mulher.


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Fred Caiafa é uma pessoa como outra qualquer, que escreve algo que pensa ser legal. Algo que pensa contar para cada um, para àqueles que possam tirar algo de, sei lá, pessoal. Ele também é bruxo, magista, caótico, muitas vezes, louco para uma sociedade, normal para ele mesmo, um escritor, estudante de letras, neófito nas artes escritas, aprendiz. “Mas deus em mim mesmo, e em todas as coisas que vejo e respiro, sou fragmentado em um todo.Sou Fred para muitos, Frederico para poucos”.


   
 
 

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