Sem que possa ter alternativas, o obsessivo se angustia com pensamentos que não lhe interessam e dos quais tem dificuldade de se libertar. Em outros momentos é acometido de impulsos infantis, com uma freqüência avassaladora e estranha.

Reprodução da tela de Botero.

 



22/08/07
Rituais que escravizam e matam o desejo

Vou embarcar em outra jornada interessante para os leitores do site O Binóculo. Irei expor um outro tipo de estrutura segundo os preceitos da psicanálise: a neurose obsessiva. Estrutura que está entre nós e que faz parte da grande massa masculina e também feminina na atualidade devido à homogeneização de ideais que visa servir ao suposto Outro detentor do gozo.
Freud escolheu a neurose obsessiva como tema, na sua "Conferência sobre o sentido dos sintomas", por considerá-la a neurose por excelência; aquela que infringe aos seus portadores um sofrimento particularmente intenso. Ele ainda revelou, em sua teoria sobre as neuroses, uma característica fundamental na neurose obsessiva: o seu vínculo estrutural com o sentimento de culpa.
Porém, para começar, é importante ressaltar que, na neurose histérica e obsessiva que se apresentam nos casos clínicos, ambas acabam possuindo características particulares e distintas que só são evidentes na história de cada paciente. No entanto, existem características comuns e similares entre elas que são chamados de sintomas típicos.

Na neurose obsessiva os sintomas típicos forcluem quase totalmente os fenômenos somáticos, ou seja, sintomas que manifestam no corpo. Exemplo: dores e hematomas isolados na pele e membros, sensações de falta de ar, enjôos involuntários, dores de cabeça etc.; sintomas, tais, que não apresentam motivo aparente, lógico, para existir. Na neurose obsessiva os seus fenômenos sintomáticos estão mais interligados a “esfera mental”. Ela se expressa através de pensamentos e impulsos atormentadores e pela adoção de medidas protetoras, que de acordo com a gravidade do caso podem prejudicar seriamente a vida psíquica e social do paciente.

Sem que possa ter alternativas, o obsessivo se angustia com pensamentos que não lhe interessam e dos quais tem dificuldade de se libertar. Em outros momentos é acometido de impulsos infantis, com uma freqüência avassaladora e estranha, não raro, assustadores, que o tentam impor atitudes que jamais aprovariam em hígida consciência. Para fugir deles e evitar a culpa, Freud em seu texto “No mal-estar da civilização” diz que o neurótico obsessivo se protege dessa ansiedade recorrendo a proibições, renúncias e restrições em sua liberdade, que se efetivam através dos chamados atos obsessivos, geralmente ações inofensivas. São repetições ou rituais elaborados e sofisticados em torno de atividades rotineiras, aparentemente sem sentido, mas que possuem intenções e representam desejos.

O que diferencia os atos obsessivos de atitudes normais realizadas no cotidiano, é a inflexibilidade dos mesmos e uma certa falta de fundamentação lógica, quando examinados de perto. Sendo um ritual patológico, cujo objetivo é defender o paciente das suas idéias e impulsos aflitivos, ou seja, da severidade que ele insiste em ser levado a cabo, mesmo à custa de grandes sacrifícios. Além disso, a sua execução é atravessada de dúvidas e apreensão quanto à correção das medidas adotadas, que exigem ser conferidas mais de uma vez.

O neurótico obsessivo não tem nenhuma forma de controle sobre as idéias, atos e impulsos patológicos que experimenta, ao tempo em que toda clareza da esquisitice e inadequação dos mesmos. Esta é, provavelmente, uma das principais razões do seu angustiante sofrimento: estar à mercê de forças psíquicas que desconhece e das quais não sabe como se livrar. Porém, a obsessão pode ser considerada como uma tábua de salvação para o paciente, pois constitui um obstáculo aos seus impulsos, onde ele agarra a esses ímpetos sentindo que a obsessão o protege contra as tendências inconscientes Não foi à toa que Freud afirmou: "certamente, esta é uma doença louca".

Segundo J. Dor em seu livro "O pai e a sua função em psicanálise" as idéias obsessivas são lutas de combates grandiosos que são confrontados com a castração. O obsessivo apresenta-se como um nostálgico do ser, que comemora, incansavelmente, os vestígios de um modo particular de relação que a mãe manteve com ele. Ele aparece, numa crença psíquica que lhe confere um lugar de objeto junto a qual a mãe seria suscetível de encontrar aquilo que é suposto esperar do pai. Apenas a significação desta "independência" mobiliza a criança na dimensão do ser. Porém toda a ambigüidade do discurso materno pode favorecer a instalação imaginária da criança num dispositivo de suplência à satisfação do desejo da mãe.

Neste sentido, o obsessivo ocupa de bom grado o lugar de objeto, que o remete ao estatuto fálico infantil, no qual se encontrou precocemente encerrado como filho privilegiado pela mãe. Fixado eroticamente na mãe, o obsessivo permanece continuamente cativo do temor da castração, o qual ele vai negociar sintomaticamente no terreno da perda. Devido a isso, o obsessivo apresenta uma tendência a constituir como tudo para o outro, despoticamente, tudo ele quer controlar e dominar para que o outro não lhe escape de forma alguma. Dessa forma, é que J. Dor nos adverte sobre a importância da perda inerente á castração, o qual induz o obsessivo no que diz respeito ao pai, e, mais além, perante a qualquer figura que remeta, a autoridade paterna.

Enfim, Quinet completa: “o Outro do obsessivo é patente no personagem do Pai da horda primitiva do mito de Totem e Tabu, que é, como diz Lacan, um mito de obsessivo. Trata-se de um Outro detentor de gozo, que impede seu acesso ao sujeito. É um Outro a quem nada falta e que não deve, portanto, desejar - o obsessivo anula o desejo do Outro. É nesse lugar do Outro que ele se instala, marcando seu desejo pela impossibilidade”. Assim, o obsessivo vai vivendo quando não procura um tratamento que possa trazer uma saída para sua angústia, no máximo, ele consegue, sozinho, deslocar as idéias e rituais sem remover a obsessão que tanto o persegue e aflige. Obsessão, essa, que o escraviza e mata o desejo.


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08/08/07 - Os perversos do cotidiano

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Eduardo Lacerda é psicólogo clínico, pós-graduando em psicanálise pela PUC Minas, interessado no estudo dos sintomas contemporâneos, um curioso que busca entender as implicações do inconsciente na vida singular dos indivíduos pós-modernos.
Visite o blog: www.polemicacomsaber.blogspot.com
Fale com ele: lacerda_eduardo@yahoo.com.br

 

   
 
 

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