19/03/07 - Segunda-feira
Mãe, to com fome!

É, foi isso que dona Rosângela Santos ouviu do filho de 16 anos de idade. Ela, mãe de cinco, não trabalha fora e resolveu montar uma “barraquinha” para vender balas, na porta da casa.

A moradora da rua 1, número 461, viveu, este mês, um domingo que seria inusitado se não fosse trágico. Imagina... Morar numa casa não acabada, em condições sub-humanas e, de repente, ver sua residência invadida por um morto. Isso, um homem morto.

Calma. Não era fantasma, nem alucinação. Isso aconteceu no bairro Capitão Eduardo, região nordeste da Capital Mineira. Em plena luz do sol do meio dia. Ao meio dia e vinte e sete. A polícia foi ao local e também ficou impressionada com as condições de moradia onde dona Rosângela tenta criar os cinco filhos. O terreiro? Uma imundice de dar pena. Na entrada da porta da cozinha roupa suja para lavar. Janela não tinha vidro. Somente as grades cobertas com pano.

“E não é a primeira vez que minha casa é invadida. Só que antes, as invasões aconteciam à noite. E era invadida por gente viva e não por morta”, comentou dona Rosângela ao ser perguntada sobre a situação.

Um homem negro vestia blusa e bermuda pretas, estava lá, caído de barriga para cima, com os braços abertos, no chão da cozinha. A bermuda molhada pela urina que ele expeliu no momento em que era executado. E, em cima dos órgãos genitais, um maço de cigarros, todo amassado. Da porta da cozinha para fora, até uns três quarteirões de distância, o rastro de sangue.

O homem começou a ser morto, abatido, pior que um animal, a poucos metros dali. Correu, correu, foi baleado, correu mais um pouco, procurou um lugar para tentar se salvar e viu a porta da residência de dona Rosângela aberta. Entrou e, mais morto do que vivo, acabou de ser executado ali, na cozinha.

Uma filha de dona Rosângela viu tudo e quase teve um ataque. Na hora, somente a menina e a mãe estavam em casa. “Eu fiz questão de tampar o rosto”, explicou a proprietária da casa, como quem quisesse dizer: “Não pergunta quem foi, que eu não falo”.

Agora, no momento em que a repórter do caderno de polícia fazia a matéria, entrevistava a Polícia Militar e a testemunha, um adolescente entrou em casa. Era o filho de dona Rosângela. Até aí, tudo bem. Fora o cadáver no chão da cozinha, estava tudo bem. Em pouco tempo de profissão, a repórter viu muitas coisas inusitadas. Em muito tempo de profissão, o policial também viveu muitas situações inusitadas. Mas ambos não haviam vivido nenhuma como aquela.

O adolescente, de 16 anos, entrou em casa e falou: “Oh mãe. To com fome! Ce num vai fazer almoço não”?

A repórter olhou para um, que olhou para outra, que olhou para a repórter. Eu pensei: “Fazer almoço com um cadáver, um homem, morto na cozinha”? Sinceramente: para algumas pessoas a morte é comum. É banal e não assusta mais. Nem a morte de uma pessoa.

Ah, os tiros? Provavelmente tenham atingido as costas. Não havia nenhuma marca no rosto nem no peito.



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Camila Dias é jornalista poilicial, pós-graduanda em Crimologia pela UFMG. Escreve crônicas quando dá vontade. Fale com ela: camilajrn@yahoo.com.br

 
 

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