
07/08/07
Não adianta chorar o leite
derramado, mas vale reclamar o empedrado
Detida, em regime fechado,
há dois meses. O crime? Furto de celular. O motivo?
Pagamentos de dívidas provenientes do tráfico
de drogas. Calma, ela não chegou a tornar-se traficante.
O mal de Caroline Ferreira* foi o uso de entorpecentes após
o abandono do marido. O que ela não imaginava: quando
sua filha nascesse, provavelmente, que ela seria arrancada
dos braços da mãe e ficaria sem amamentação.
No presídio não há cela especial para
mães com recém-nascidos.
A menina nasceu no dia 31 de
julho de 2007 e pesava quase três quilos. Quando veio
ao mundo, foi entregue à avó materna, que
já cuidava de outras duas crianças. A pobreza
da família era gritante e Caroline só se lembrava
do momento em que a filha nascera. Vinha-lhe à memória
o momento em que ela olhou para filha pensando: “será
que vão tirá-la de mim”?
Sem cela especial para mulheres
com recém-nascidos, a criança, privada do
convívio com a mãe, passou dois dias alimentando-se
com chás. Não havia dinheiro para o leite
em pó. Então, o leite de Caroline começou
a empedrar. Como se não bastasse a saudade da filha,
a mulher passou a lhe dar com fortes dores nos seios e com
a expectativa da próxima audiência. O que ela
mais desejava era contar a sua história ao Juiz da
Terceira Vara Criminal.
Ré primaria, Caroline
Ferreira nunca havia se envolvido com o mundo do crime até
que foi abandonada pelo marido. Quando grávida de
sete meses, furtou um aparelho de telefone celular que venderia
para pagar dívidas com traficantes da região
onde morava. A mulher não era “escolada”
na Escola do Crime, mas foi entregue ao Departamento Prisional
como a mais perigosa das traficantes. Segundo ela, aqui
no Brasil, julga-se muito pelo que cada pessoa APARENTA
ser e ter. “Nem tudo que parece, é. Só
porque eu estava desesperada e perdi a cabeça, não
sou bandida. Agora estou longe dos meus filhos, da minha
família, da minha menina. Se eu tivesse dinheiro,
talvez as coisas fossem diferentes”.
Num país de terceiro
mundo como o Brasil, infelizmente, não há
políticas públicas para re-educar e recuperar
pessoas que estão à margem da sociedade. O
que se faz é misturar as maçãs para
que apodreçam umas às outras. Como colocar
uma pessoa que rouba um objeto, com outra condenada, por
exemplo, por homicídio. Deveria haver uma cláusula
no código penal que garantisse a separação
dos delinqüentes por tipo de crimes cometidos. Mas,
às vezes a impressão que temos é que
nem código penal existe nesse paízinho de
Terceiro Mundo. Aliás, todas as leis são para
inglês ver.
Caroline Ferreira roubou um
celular para salvar as vidas (dela e de sua família)
ameaçadas. É obvio que não seria possível
saber das intenções futuras de nossa protagonista.
Mas o certo é: sem uma política de separação
de delinqüentes, as cadeias e presídios jamais
funcionarão como centros de re-habilitação
e reeducação. Os estabelecimentos prisionais
continuarão a atuar como verdadeiras "Universidades
do Crime" e, no caso de Caroline, servirão também
para separar mãe e filha.
No caso entra uma instituição
capaz de amenizar o duplo sofrimento. O Conselho Tutelar
entrou na Justiça e conseguiu um Alvará de
Soltura. Pelo menos durante o período de amamentação
da recém-nascida, a mulher que furtou um celular,
vai cumprir pena em prisão domiciliar. Nada de chazinho
pra criança, pelo menos, por enquanto.
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Camila
Dias é jornalista poilicial, pós-graduanda
em Crimologia pela UFMG. Escreve aqui toda terça-feira.
Fale com ela: camilajrn@yahoo.com.br
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