05/05/07 - Sábado
Só pra pobre, preto e puta!

Adriano Souza Cruz, 32 anos, preso no Distrito do Palmital, em Santa Luzia, região metropolitana de Belo Horizonte, por furto, artigo 155 do código penal. O que ele furtou? ... leiam até o fim.

Estava sob liberdade provisória. Um mandado de prisão foi emitido. O motivo? Adriano não tinha dinheiro para pagar passagem e ir ao Juiz da Vara Criminal daquela cidade se apresentar todo mês. Aliás, Adriano Souza Cruz, não tem dinheiro nem para comer. Casado, pai de quatro filhos, negro, raquítico e epiléptico. Ele não tem nem dente direito. A dentição inferior quase não existe.

Santa Luzia, 16 de abril do ano de 2007. Esse dia é especial para Adriano, bem como para os outros detentos, e porque não dizer, para a equipe que compõe o Distrito do Palmital. Aconteceu, naquela data, o primeiro Dia da Cidadania. Pelo menos uma vez por mês, os presos têm atendimento médico, cabeleireiro e auxílio jurídico. É uma iniciativa do Delegado Seccional de Santa Luzia, Island Batista, iniciativa privada. Organizações Não-Governamentais e outros órgãos públicos. E quando digo do Delegado, o faço porque a chefia da Polícia Civil só ficou sabendo do fato depois que a mídia noticiou.

Então vamos ao que interessa...

O jornalista chegou para entrevistar um detento. Adriano Souza Cruz, 32 anos de idade. Quando preparava o texto para iniciar a matéria, pof! Pof! Um barulho de côco caindo no chão. Era a cabeça de Adriano. Aquele preso, raquítico, desmaiou, caiu no chão e pof! A cabeça quicou duas vezes. Gravador prum lado, jornalista proutro. O homem caído:

- epilepsia! Doutor ele tem epilepsia! Traz o remédio! Falou um agente de polícia.

Epilepsia? Mas e as convulsões? Não vinham. Ele não entrou em convulsão. Depois de alguns minutos, Adriano volta a si. Após sentar-se o repórter, assustado, segurava a mão do detido.

* Ta tudo bem? Porque você desmaiou?
* Tem três dias que não como.
* Não come, porque? O delegado não está te dando comida não?
* Dá, os policiais me dão sim, mas quando eu coloco comida na boca, ela volta. Eu não consigo engolir.

Um minuto de silêncio e depois o que ninguém quer ouvir:

* Moço, eu não tenho problema de estômago. O que tenho são quatro filhos em casa passando fome. É impossível almoçar, jantar, comer pão, tomar leite, sem pensar que eu poderia estar dando esta comida para os meus filhos.

Todos; o delegado, os agentes, a faxineira, o jornalista. Todos se entreolharam. O que? Que país é esse? Agora, se preparem para a próxima resposta. Ao ser perguntado o porque de estar preso, Adriano disse e o jornalista conferiu nos autos do processo:

* eu furtei comida de um supermercado. Fui preso. Estava em liberdade condicional e tinha que me apresentar ao juiz todo mês. Semana passada não havia dinheiro da passagem. Um mandado de prisão foi expedido e agora eu to aqui. E meus filhos lá, sem comer.

A matéria foi ao ar. No dia seguinte uma boa notícia. O dono de um supermercado forneceu comida para a família de Adriano Souza Cruz. O suficiente para seis meses. Ufa! Pelo menos, de fome ele não desmaiará mais, já que agora as crianças vão ter o que comer e ele não ficará com a consciência pesada.

Hoje, 04 de maio de 2007, a melhor notícia. Adriano foi liberado? Não. Ainda cumprirá um tempo de prisão.

Então qual a notícia boa?

Depois que sair do xilindró, Adriano Souza Cruz, 32 anos de idade, negro, magérrimo, pai de quatro filhos, ex-presidiário, terá um emprego. Isso. Um emprego com carteira assinada e tudo!

Agora, só dependerá dele. Está aí a chance de nunca mais passar fome. De nunca mais ver os filhos pedirem pão sem chance de ganhar. Não. Ele ainda não ganhará um salário digno, mas pelo menos vai dar pra comer, como acontece com a maioria dos brasileiros que dependem do salário mínimo.

E onde estão os contraventores dos jogos de bingo, jogos de azar, jogos do bicho? Onde estão os juizes que assinaram as liminares, ou melhor, venderam as liminares?

Infelizmente, os criminosos de colarinhos brancos ainda não são punidos. Eu falo “ainda”, porque ainda tenho esperança de vê-los na cadeia e, quem sabe um dia, poder discordar daquele velho ditado: A lei no Brasil só funciona para os 3 p’s: pobre, preto e puta!


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19/03/07
Mãe, to com fome!



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Camila Dias é jornalista poilicial, pós-graduanda em Crimologia pela UFMG. Escreve crônicas quando dá vontade. Fale com ela: camilajrn@yahoo.com.br

 
 

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