Tem um dinheirinho nisso? – Tom não pestanejou ao revelar a necessidade de pagar as contas do aluguel do apartamento na Rua Nascimento e Silva. O começo da parceria foi tímido, segundo Tom, uma porcaria.

 

28/09/07
Orfeu da Conceição

Há exatos 51 anos e três dias estreava, no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, o musical Orfeu da Conceição, peça de Vinicius de Moraes, em que o mito grego de Orfeu se transformava na lendária tragédia negra carioca. Hoje, anos mais tarde, nada mais válido que rememorar as composições de Tom para a peça que deu muito o que falar, além de render também trilhas internacionais para Orfée noir, versão para cinema que recebeu a Palma de Ouro do Festival de Cannes de 59 e o Oscar de melhor filme estrangeiro.

Ah, quem nos dera: “uma canção pelo ar, uma mulher a cantar, uma cidade a cantar, a sorrir, a cantar, a pedir a beleza de amar como a flor, como o sol, como a luz. Amar sem mentir, nem sofrer. Existiria a verdade, verdade que ninguém vê. Se todos fossem no mundo iguais a você.” Assim soaram aos primeiros acordes, a letra de Se todos fossem no mundo iguais a você.
E o tempo, por lá, devia estar bom. O sucesso de público e crítica foi quase unânime. Nem, por exemplo, choveu. Até Maricotinha deve ter aparecido. Quem não ouviu direito foi Manoel Bandeira, o poeta que reconheceu estar meio surdo e perceber apenas um sopro de poesia do princípio ao fim. Ele foi, mas nem estava. O teatro explodiu em aplausos.

Em abril do mesmo ano, quando Vinicius comentava, num bar chamado Vilariño, no Rio, com o compositor Haroldo Barbosa e o jornalista Lúcio Rangel sobre a necessidade urgente de alguém para compor as músicas da peça, eis que surge, no mesmo bar, o jovem Antônio Carlos Jobim, conhecido de vista do poeta. Sem cerimônias, Lúcio, que conhecia Jobim, tratou de apresentar os dois.

Tom ao entrar evitou a mesa em que estava Vinicius, como explicou anos depois:

Acontece que eu falava muito pouco com o Lúcio, que defendia, com relação à música, uma série de pontos de vista diferentes dos meus. Eu tinha medo que surgisse alguma controvérsia ou discussão entre nós, e por isso evitava falar com ele. Por isso, grande foi a minha surpresa, quando soube que ele me havia recomendado ao Vinicius, para fazer a música do Orfeu da Conceição. Aceitei, imediatamente, pois já era um antigo admirador do poeta, e seria para mim uma oportunidade magnífica a realização desta tarefa. Orfeu foi um passo decisivo na minha carreira. Consegui concretizar uma série de tentativas que vinha estudando, e ao escrever uma peça para orquestra com amplos recursos, pude fazer o que não era permitido na orquestração de sambas comerciais.

– Tem um dinheirinho nisso? – Tom não pestanejou ao revelar a necessidade de pagar as contas do aluguel do apartamento na Rua Nascimento e Silva. O começo da parceria foi tímido, segundo Tom, uma porcaria. Fizemos três sambas horríveis, num desajustamento total. Mas Vinicius não se abalou: Estavam faltando três uísques.

Alguns uísques depois, Orfeu da Conceição estreou com cenário de Oscar Niemeyer e direção de Léo Jusi. Nada mais justo que um cowboy pra comemorar.

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Brisa Marques é jornalista e atriz. Participou de dois curtas-metragens e em três montagens como atriz. É co-autora dos livros "Me conte a sua história 1" e "Me conte a sua história 3", publicados pela editora Saraiva. Acredita na arte, em qualquer uma de suas formas, como a essência fundamental do ser humano. Escreve todas as sextas-feiras.
Fale com ela: brisamarques@gmail.com



   
 
 

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