
21/09/07
E o jogo
continua... até mesmo no cinema
A relação entre cinema e futebol é
um tanto quanto interessante. Paixão entre os brasileiros,
e, porque não, entre povos de muitos outros países,
o sucesso desse esporte nos gramados ou na televisão
é indiscutível, porém, quando o assunto
é a sétima arte o número de adeptos
não é tão significativo. É válido
lembrar que um dos pontos principais, para não dizer
o ponto, para essa falta de interesse é
a dificuldade em retratar a ginga necessária para
disputar o esporte. Dessa maneira, a partida representada
se torna algo artificial, falso. Muitos são os filmes
que se arriscam, e derrapam, ao tentar retratar o futebol.
Caso de Garrincha estrela solitária, um filme
deprimente, com uma atuação risível
de André Gonçalves, em que o diretor esquece
a carreira futebolística do craque e se concentra
nas aventuras amorosas do jogador.
Diante essa dificuldade em encenar o drible, o balanço
do jogador de futebol, o cinema acaba por retratar recorrentemente
outros esportes, como no caso do futebol americano, em que
o mais necessário é uma equipe de efeitos
sonoros competente para recriar o efeito. A maioria de filmes
sobre futebol americano, assim como filme de basquete ou
baseball, são norte-americanos. Natural para os cineastas
desse país, afinal, são esportes bastante
cultuados por lá. Já o futebol é um
esporte inexpressivo, com um desconhecimento enorme, sendo
assim, além da falta de interesse, os maiores exportadores
de cinema do Mundo teriam dificuldade em encenar uma partida.
O roteiro do filme Amor em
jogo, por exemplo, é adaptado do livro de Nick Hornby,
Fever Pitch (Febre de Bola), mesmo que influenciou a produção
do homônimo filme inglês, que abordarei abaixo.
Porém, no caso do filme norte-americano, eles substituem
o futebol, que é o esporte do livro, assim como do
filme inglês, pelo baseball, pois este tem maior destaque
no país. Assim, pensando na bilheteria e na maior
aceitabilidade do público, os produtores decidiram
realizar a mudança.
Contudo,
com certeza o esporte destaque na história do cinema
norte-americano é o boxe. Inúmeros grandes
diretores como Martin Scorsese e Clint Eastwood tiveram
filmes em que o boxe esteve presente. O primeiro com o genial
Touro indomável, que gira em torno da vida do pugilista
Jake LaMotta (Robert de Niro), e investiga o ser humano
em sua dimensão mais trágica, doente e solitária.
O boxe é o palco onde ele se ilude, com isso, o cineasta
faz um filme em que o esporte serve para discutir o personagem
e não o contrário. O problema de LaMotta é
justamente que ele não percebe que a vida não
é um ringue de boxe em que ele precisa se impor,
mas um lugar em que há o outro e que este não
é seu e não precisa ser vencido,
nem necessariamente é seu oponente. Enfim, fracassa
por completo na tarefa de viver. Um trabalho louvável
de Scorsese e excelentes atuações de de Niro
e Joe Pesci (Joey LaMotta). Já Menina de ouro, filme
de Eastwood, destaca a persistência de uma pugilista
para que consiga ser treinada por um veterano técnico.
Diante de uma bela fotografia, do parceiro Tom Stern a partir
de Dívida de sangue e que prosseguiu nos atuais A
conquista da honra e Cartas de Iwo Jima, Clint dá
um ritmo envolvente à trama, juntamente com Hilary
Swank e Morgan Freeman. Somado a estes, temos, claro, Sylvester
Stallone, que depois de 31 anos ainda persiste com seu Rocky.
O início foi com Rocky, um lutador e desde então,
mais cinco filmes, sempre com o boxe como pano de fundo,
e a luta de Balboa (Sylvester Stallone) em se manter como
o número 1.
Voltando ao futebol, se é
assim, essa dificuldade imensa de se encenar os dribles
no cinema, por que não colocar os próprios
jogadores para desempenhar os papéis no campo? Foi
justamente o que fez Bruno Barreto em Casamento de Romeu
e Julieta, porém, o resultado não sai como
o esperado. Afinal, mesmo utilizando jogadores reais as
jogadas são muito coreografadas e soam falsas. Contudo,
o filme se sai bem ao ilustrar a paixão pelo futebol.
Aliás, tema recorrente no cinema e que funciona melhor
que o jogo em si; curiosamente, são filmes que envolvem
a torcida, justamente por essa dificuldade em se recriar
as partidas. Nessa categoria, temos inúmeros exemplos,
como o caso da seqüência Boleiros - era uma vez
o futebol... e Boleiros 2 - vencedores e vencidos. Nesse
filme, Ugo Giorgetti valoriza histórias contadas
em um bar, freqüentado por boleiros, ao invés
da partida em si. Para não dizer que estou restrito
ao cinema nacional, dois filmes ingleses: Febre de bola
e Hooligans, que abordam, de maneiras eficazes, o fanatismo
da torcida. É também nessa categoria, filme
sobre torcida, que se encaixa A Copa, primeira obra cinematográfica
realizada pelo Butão.
E o país começou
bem. Logo no início, o diretor nos brinda com uma
trilha sonora bastante interessante e planos abertos que
servem para apresentar o local ao espectador. Local, aliás,
que juntamente com o ano, é apresentado logo em seguida:
mosteiro tibetano, Índia, 1998.Trata-se de uma história
bastante simples, porém, um tanto quanto eficiente,
e relata o cotidiano de budistas em um monastério.
Assim, o diretor Khyentse Norbu passa os 20 minutos iniciais
mostrando o dia a dia da cultura daquelas pessoas: suas
brincadeiras, alimentação, rituais religiosos,
entre outras coisas. O diretor nos brinda ainda com cenas
divertidas como a de um jovem monge que sempre cochila durante
os rituais.
Contudo, a partir daí,
entra em campo Orgyen e, vai muito bem. Extremamente
natural, o garoto, que é aficionado por futebol,
fala da Copa do Mundo com alegria. Na hora do banho, por
baixo da roupa do monastério, está a camisa
do Ronaldo e, na parede do quarto, fotos de inúmeros
jogadores. Mas não é só Orgyen que
se apresenta bem. Destaque para o momento em que Geko explica
para o mestre o que é uma Copa do Mundo, as indagações
do ancião ao querer saber se nessa disputa há
sexo e a reação do mais novo quando perguntado
como sabe de tudo aquilo.
Mas o filme não fica só no futebol. A política
está sempre presente. Determinado momento, Orgyen
diz torcer para a França, afinal, é ela o
único país a defender os interesses do Tibet.
Num outro momento, em que Lodo, amigo de Orgyen que também
se interessa por futebol, pergunta sobre os Estados Unidos,
o garotinho responde, pensando tratar de política,
que morrem de medo dos chineses. É constante também
a presença de críticas aos tibetanos da China,
porém, de maneira leve e humanista. Interessante
ressaltar a presença da Coca-Cola no filme. Até
mesmo em um mosteiro tibetano da Índia, em que os
jovens fazem um esforço tremendo para assistirem
as partidas da Copa e que não possui nenhum aparelho
de TV, já é encontrado esse produto - o que
demonstra o nível do imperialismo mundial.
Com vários pontos positivos, infelizmente, o filme
derrapa em seu final. Até o momento em que os jovens
budistas se reúnem para tentar alugar uma televisão,
tudo bem. Temos demonstração de coleguismo,
liderança, entre outros aspectos. Porém, no
momento da final entre Brasil x França que Orgyen
tanto lutou para conseguir assistir, o garoto fica triste,
parece que nada daquilo é importante. E o filme se
depara com um tom melodramático de auto-ajuda.
Com
isso, além de um filme interessante, A Copa se torna
mais instigante como possibilidade de conhecermos outras
culturas e expressões não a partir de um olhar
externo, mas através de uma expressão cinematográfica
própria. Podemos dizer que A Copa é um feliz
exemplo de filme que o futebol é usado de maneira
satisfatória, afinal, consegue falar do esporte,
de sua importância global e ao mesmo tempo falar sobre
o budismo na contemporaneidade. Além disso, ao abordar
filmes sobre os jogos em si, acredito que o cinema brasileiro
é o que tem mais capacidade e potencial para isso,
justamente em razão da ginga e habilidade inerentes
aos brasileiros. Mas é necessário treinar,
afinal, o jogo sempre continua.
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João Paulo Teixeira
é jornalista, pós graduando em História
da Cultura e Arte. Tendo estudado na Escola Livre
de Cinema, participou de inúmeros filmes como continuísta.
Acredita que a continuidade é responsável
direta pelo olhar mais crítico para o fazer e analisar
obras cinematográficas. Escreve mensalmente para
a Coluna Retalhos Culturais. Contato:
jpteixeiras@yahoo.com.br
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