OPPERAA
 
Baby Boom
     
 
 
     

Capitão Nascimento é um herói? No fim das contas, tanto faz, já que continuamos – todos – a encarar a situação retratada como algo a ser resolvido por terceiros. Não é mais fácil e prático atribuir a missão de endireitar o mundo aos outros? E não é isso, enfim, o que significa criar um herói como esse: idolatrar alguém a quem transferimos todas as responsabilidades e desafios que não podemos (= queremos), por fraqueza, preguiça, etc., enfrentar?

26/11/07
Isso daí, BOPE?

Tenho por princípio comentar um fato um pouco depois do ocorrido, o que desafia todos os padrões jornalísticos que me foram repassados como corretos. Afinal, do ponto de vista das publicações noticiosas e afins, algo só acontece hoje. “Se foi ontem, já passou, não existe mais”. Meio exagero, mas é bem isso.

Mas aí uns podem questionar: por que falar de ‘Tropa de Elite’ depois de tanto tempo, após todos já terem assistido e, quem sabe, esquecido? Ou então “o que mais resta a dizer?”, dirão aqueles envolvidos com a prática informativa, tão acostumados a considerar esgotados os fatos que já se encaixaram nas linhas dos veículos, resumidas em função de gigantes espaços publicitários. Então, só me resta apresentar logo a minha defesa.

Considero imprescindível que se discuta um filme como esse com todos de cabeça mais fria, passado um tempo de reflexão, sem o resquício do fascínio, de uns, e das inexplicáveis gargalhadas, de outros, durante a exibição de cenas de tortura com saco plástico na cabeça (sim, é uma cena de tortura, caso não tenha percebido).

Vejamos. Capitão Nascimento é um herói? No fim das contas, tanto faz, já que continuamos – todos – a encarar a situação retratada como algo a ser resolvido por terceiros. Não é mais fácil e prático atribuir a missão de endireitar o mundo aos outros? E não é isso, enfim, o que significa criar um herói como esse: idolatrar alguém a quem transferimos todas as responsabilidades e desafios que não podemos (= queremos), por fraqueza, preguiça, etc., enfrentar?

Preocupa-me muito o fascínio que longas como esse têm feito surgir. Não cobro, aqui, com isso, papel didático do filme e nem sugiro culpa por tais reflexos. Levanto, sim, nesse momento, o ponto da banalização da violência, que agora chega a fazer rir ao ser retratada em cenas de tortura física ou verbal. Agressões que, no imaginário coletivo, se tornam justificáveis pelas rasteiras conclusões dos eternos isentos de responsabilidade, os primeiros da fila a lavar as mãos. Aliás, é esse pensamento de “Aprovo, policial, aquele você pode matar” o que tanto (me) impressiona na recepção desse conteúdo cinematográfico.

Tão próxima como está, a violência ainda é vista como um problema para que ‘capitães Nascimento’ troquem a dedicação a suas famílias pela devoção, como nossos representantes ( = funcionários), ao extermínio dos envolvidos no crime e no tráfico – e nos deixem assistir a tudo de casa, na poltrona. “E cuidado com a minha vidraça, sim? Vá atirar para lá!”.

Não sei o que é pior. Se é o fato de todos, conscientemente ou não, aceitarem uma guerra civil, ou se é por acreditarem que estão mesmo alheios a tudo isso. No universo das injustiças sociais e das calamidades, da fragilidade e da falta de segurança pública, o que deveria ser o momento de reflexão e, sobretudo, de união, ainda é o palco para o duelo mais cara-de-pau da pós-modernidade: o espírito coletivo versus as individualidades. Embate interessante, já que, muitas vezes, a certeza de que as pessoas devem trabalhar por todos passa a existir apenas se, nesse grupo, não estiver o pudico e inviolável “eu”, absorto em sua folgada prioridade.

“Continue, Capitão Nascimento. Temos mais o que fazer, mas você é um grande herói! Resolva, por todos, um problema que não é nosso. Mas rápido, sim? Caso contrário, trocaremos de canal”. Pois a violência é como aquelas folhas que caem na porta de nossas casas: não são mais problema nosso se varrermo-las até o início do passeio do vizinho. Depois, é só gritar aos quatro ventos: “Por que esse irresponsável não faz nada com as folhas?”.

Em tempo, Wagner Moura esteve fantástico no papel.


Leia também

05/11/07 - O destino único do Ludopédio

15/10/07 - Fidelidade*

24/09/07 - Que o último a dormir apague a luz

03/09/07 - Sobre coadjuvantes em monólogos

13/08/07 - Deixar de estar perto?

23/07/07 - Dama da Noite

02/07/07 - Procuram-se torcedores

11/06/07 - Silêncio: inocente?

21/05/07 - O 'pra ontem' hoje e amanhã

30/04/07 - Reféns da tecnologia

09/04/07 - Porque sempre pôde

19/03/07 - O dia da pergunta

26/02/07 - Mandriões sem vida pessoal


__________________________________________
Guilherme Amorim é um mineiro simples, metido a organizado e que sobrevive sem estantes. Além de devoto da Mega Sena, irônico e canhoto fervoroso, é jornalista e criador/apresentador do programa Espátula, veiculado na iRadio. Escreve mensalmente na coluna Trejeitos. E-mail: guilbh@gmail.com

 
 
 

O melhor álbum de 2008 já?
A Rolling Stone(USA) sugere alguns. Votaria em qual? (Clique para ouvir)

Cat Power
Vampired Weekend
Hot Chip
Snoop Dogg
Black Mountain
Nenhum destes
                                  VOTAR!
 

Expediente::: Quem Somos::: Parceiros :::: Contato:::Política de Privacidade:::Patrocine nossa idéia
Copyright © 2008 O Binóculo On Line All rights reserved