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João gostava de contar histórias. O que nem todos percebiam é que ele inventava a maioria delas. Um triste rei sem reino, seguido por súditos enganados. Nem podiam imaginar que, no silêncio das madrugadas, João perdia-se entre os mundos que criava. João chorava. Era triste.

Detalhe: Johnny Bravo _Personagem da Cartoon Network

 

14/05/08
Triste história de João Grandão


João Grandão parecia ser um cara legal. Era do tipo boa praça, sorriso solto, conversa fácil. Gostava de sair com os amigos (ele aparentava ter muitos), beber um bom vinho (entendia deles como o melhor dos someliers), cozinhar e comer bem (a fama de grande chef ganhava as rodinhas por onde andava). Era um sujeito simpático.

“Hoje é aniversário do João Grandão!”, “Ah, João Grandão me convidou para aquele espetáculo”, “João Grandão estava na festa de ontem”. Era uma vida social agitada. E comentada por todos. João era mesmo um companheirão! Sempre sorrindo, sempre falante, sempre presente.

Mas – e sempre há de existir um “mas” – nem tudo é o que aparenta. João Grandão tinha muitos segredos. Por trás de tantos sorrisos e “causos”, grande mesmo era sua tristeza. Por trás de tantos compromissos e amigos, grande mesmo era sua carência. João, na verdade, era triste. Mais que isso: João Grandão, o boa gente, amigo de todos, era, na verdade, um personagem. E ele, o João que passava noites em claro no confronto entre real e imaginário, interpretava tão bem seu papel que, por muitas vezes, enganava a si mesmo.

João gostava de contar histórias. O que nem todos percebiam é que ele inventava a maioria delas. Melhor assim. João Grandão era bem intencionado. Suas mentiras eram apenas versões diferentes, adaptadas para cada “público”. Garoto esperto esse Grandão! Ele só queria manter a fama de popular, requisitado por saber as últimas novidades. Espalhava segredos, distorcia fatos e palavras. Ou melhor: dava-lhes uma interpretação própria, mais saborosa aos ouvidos curiosos. Alguns sábios diziam que quem detém a informação detém o poder. E era isso o que Grandão tentava demonstrar. Um falso poder, uma falsa confiabilidade, falsas histórias, falsos sorrisos e amigos de mentira.

Um triste rei sem reino, seguido por súditos enganados. Nem podiam imaginar que, no silêncio das madrugadas, João perdia-se entre os mundos que criava. João chorava. Era triste. Não se achava capaz de despertar o amor sincero, de ter amigos de verdade. Por isso, colecionava mentiras, histórias de faz de conta. Achava que somente o personagem bonachão e companheiro renderia boas conversas e bons programas no sábado à noite.

Grandão não imaginava, no entanto, que, ao contrário do que pensara até então, sua “veia artística” poderia significar sua derrocada. Goebbels dizia que “uma mentira repetida mil vezes torna-se verdade”. João Grandão, entretanto, não era tão esperto assim. Dizia mentiras diferentes, contradizentes, nos mesmos lugares, em grupos que se encontravam. Pobre Grandão! Cedo ou tarde seria descoberto. Cairia por terra seu falso grande mundo feliz e levaria consigo aqueles que um dia acreditaram que ele era um homem de verdade. Ficariam apenas os falsos ou ainda iludidos amigos. Essa história ele não faria questão de contar.

 

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2007

 

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Do jornalismo à literatura, ou vice-versa, Ariadne Lima é apaixonada por letras. Jornalista, defensora do jornalismo literário (junção de suas duas paixões), procura ver e descrever o mundo usando as lentes da poesia. E-mail: ariadnemlima@yahoo.com.br




Sobre a coluna Trejeitos

Cada qual do seu jeito, cada um com seu trejeito. O que não muda é o amor à profissão e a vontade de registrar em palavras o que não pode ser esquecido: a capacidade de falar por aquele que cala, a crítica, o bom jornalismo, a denúncia, os vários ângulos, as diversas histórias, o lirismo.

Nesta coluna, o leitor encontra crônicas escritas sob a ótica de três diferentes estilos. Os jornalistas Ariadne Lima, Cristina Mereu e Guilherme Amorim escrevem sobre temas variados a cada semana, partilhando com o público, cada um, um jeito diferente de enxergar a vida.


   
 

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