
27/05/08
A perfeição
no meio do caminho
Errar, ainda que seja humano,
é sempre uma angústia. Tudo bem, há
o aprendizado, o reconhecimento do processo, o desenvolvimento
pessoal e profissional, mas acho que é importante
destacar o quão um erro é catastrófico
para alguém com legítimo comportamento organizador.
É fato que muitos
apontam perfeccionismo como defeito, como uma característica
à qual muitos recorrem apenas para tentar se dar
bem em entrevistas de emprego (o que geralmente não
dá certo), mas imagino ser necessário destrinchar
um pouco da realidade que envolve a rotina dos verdadeiros
assolados por essa, digamos, mazela social.
Em primeiro lugar, perfeccionismo
não é uma vantagem competitiva. Minto. Ela
é sim. Na verdade, é a carta na manga dos
concorrentes do perfeccionista, já que os clássicos
caras-de-pau da humanidade, sem medo e com maestria, são
plenamente capazes de entregar qualquer produto - a quem
quer que seja - com qualidade questionável, sem ter
pesadelos e sem guardar qualquer resquício de culpa.
Outro ponto interessante
é o de que o perfeccionista, embora possa parecer
o contrário, não está totalmente fechado
à idéia de admitir e reconhecer um erro. Porém,
jamais conte com a paz de espírito desse personagem
se ele descobrir ter sido, a falha, resultado de um lapso
de atenção, a tradicional “bobeira”.
Não, isso não será rapidamente superado
– se é que algum dia será superado.
O perfeccionista não se esquece de seus erros e passa
a recorrer à cautela como porto seguro. Em alguns
casos, chega mesmo a fazer piadas sobre o vacilo que já
cometeu, apenas para tentar amenizar o seu drama interno.
Fato é, pois,
que nada consome mais o fígado de um representante
dessa classe que a hipotética situação
de conflito entre o “perder um prazo” e “entregar
malfeito”. Aliás, nobre leitor, se chegar a
tal ponto, tenha imediatamente a bondade de convocar o corpo
de bombeiros, pois essa pessoa já estará em
chamas por completo.
Desnecessário
dizer, ainda, nesse contexto, que o mundo não oferece
lá tantas oportunidades para quem tem medo de se
expor a erros. O que é questionável, na verdade,
é a valorização que se dá a
quem ter orgulho de cometê-los, de optar pela produtividade
meia-boca, desde que assegure, com isso, as cotas e tarefas
mensais. Bom, mas isso é uma outra história.
Afinal, teríamos que resgatar a “iniciativa”,
que, dentro de uma lógica de perfeição,
contaria como valor agregado, não é mesmo?
E o perfeccionista que não tem iniciativa seria mesmo
perfeccionista? Enfim...
Entre o limite do “errar”
e o do “não temer ser corrigido”, o ponto
é que jamais os variados perfis serão suficientemente
completos. Não pretendo, aqui, dar puxões
de orelha e dicas sobre mercado de trabalho e comportamento
ideal, mesmo porque não é possível
formatar o comportamento humano. Tampouco tenho a pretensão
de defender o perfeccionismo com unhas e dentes. Cheguei
aqui, a bem da verdade, para falar dos erros e do impacto
que eles têm na vida de um perfeccionista.
A mensagem a ser
deixada é simples: ninguém está sozinho
nesse mundo. E talvez o grande aprendizado seja reconhecer
que, para fugir do medo dos erros, e até mesmo dos
erros, é preciso ceder lugar à coragem de
pedir ajuda e de reconhecer a sua necessidade. Até
porque um sempre poderá fazer bem-feito, mas dois
sempre poderão fazer muito melhor.
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2007
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Guilherme Amorim
é um mineiro simples, metido
a organizado e que sobrevive sem estantes. Além de
devoto da Mega Sena, irônico e canhoto fervoroso,
é jornalista e criador/apresentador do programa Espátula,
veiculado na iRadio. Escreve mensalmente na coluna Trejeitos.
E-mail: guilbh@gmail.com
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