
21/01/08
O trago embolado
Na garganta, o trago embolado,
a fumaça engasgada, a passagem impedida. No pulmão,
toda a poluição, todas as dores concentradas
em um único órgão, toda essa sujeira
que permanece no corpo cansado. A punição
latente como a única alternativa viável, a
falta de fôlego para acender mais uma vez.
A imundice alheia me impregnou,
me arrancou a vontade de estar entre eles, de ser um deles...
Enoja-me saber a maneira como tudo se dá e recuso-me
a vender-me por tão pouco. Despeço-me sem
pesar em deixá-los, reconheço o que há
de melhor para mim longe de todos e priorizo o meu bem-estar
a longo prazo, ciente de que posso contar apenas com o meu
próprio corpo. Cansado, mas ainda vivo.
A obsessão pela verdade
prolonga o sufocamento. Nada desce pela garganta desde as
últimas descobertas. As escolhas tomadas desde então
contribuem com a asfixia. Podo-me para crescer, escondo-me
para desenvolver e sufoco-me para sobreviver: me calo, me
corto, me jogo e me isolo. Tudo para mover-me arrastando
junto o universo. Busco a droga ideal para me devolver o
ânimo, a força, o chão. O ácido
que irá trazer a minha cura, devolver-me à
verdade e empurrar-me à realidade. A substância
perfeita para pôr fim à minha asfixia, fazer
descer o meu alimento e estancar o meu sangramento.
Fuga ou enfrentamento, tanto
faz. O caminho é sempre o mesmo até a luz
que me cega para o fim. A curiosidade é o que me
leva adiante como se arrastasse o meu corpo que ainda necessita
de vida. O ar me é devolvido sem saber ainda por
qual razão não me foi tirado.
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2007
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Cristina Mereu
é formada em jornalismo pelo
Uni-BH, adora internet, cinema, fotografia, música
e literatura. E escreve mensalmente para a coluna Trejeitos.
Fale com ela: cristinamereu@gmail.com
Sobre a coluna Trejeitos
Cada qual do seu jeito, cada um com seu trejeito. O que
não muda é o amor à profissão
e a vontade de registrar em palavras o que não pode
ser esquecido: a capacidade de falar por aquele que cala,
a crítica, o bom jornalismo, a denúncia, os
vários ângulos, as diversas histórias,
o lirismo.
Nesta coluna, o leitor encontra
crônicas escritas sob a ótica de três
diferentes estilos. Os jornalistas Ariadne Lima, Cristina
Mereu e Guilherme Amorim escrevem sobre temas variados a
cada semana, partilhando com o público, cada um,
um jeito diferente de enxergar a vida.
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