
17/09/07
"Sol de primavera"
Tenho
tendências a imaginar coisas. Em todas as épocas
do ano, todos os dias da semana, ocasiões diversas,
eu divago. Sonho, especulo, faço planos futuros para
um presente imaginário. E na primavera, curioso,
esta é uma característica que transborda,
chega a passar pelos poros e se espalha pelo ar como um
perfume que deixa marcas sem pedir licença.
Não
sei se por ser assim ou por outro motivo qualquer, basta
entrar setembro e percebo algo diferente também nas
pessoas. Talvez a causa seja fisiológica. É
fim do inverno e o sol traz de novo a liberdade e a leveza
das roupas da estação, é equinócio
no hemisfério sul, o céu parece mais limpo
e a claridade funciona como energético natural nos
dias mais difíceis. Pode ser ainda que a culpa seja
de uma tal psique primaveril, uma aura colorida, desperta
pelo perfume das flores ou pela brisa mais forte, que insiste
em levantar vestidos e atrapalhar cabelos.
É
hora de deixar a pele à mostra e parece que à
mostra também ficam os sentimentos. Ficamos mais
vulneráveis a paixões anônimas instantâneas
e mais entregues àquelas que têm nome, forma
e endereço certos. Sem dúvidas, há
algo de não sei o quê no ar de setembro. Tem
cheiro de O Mundo de Sofia e sabor de embalo na rede ao
som de Chico Buarque.
Acho que
em setembro fico mais pensante. As coisas passam suaves
diante dos olhos, como um filme que nunca olhamos e de repente
paramos pra ver, descobrir. E surpresos ficamos diante das
sutilezas de palavras, gestos, pessoas, detalhes. Tudo o
que a escuridão do inverno não nos permitiu
perceber. Às vezes passamos mesmo pela vida como
quem passa por um poste.
É
1º de setembro e o ar muda. Chega a ser cabalístico.
Uma influência dos astros que vem para anunciar que,
dali a 22 dias, uma força mágica erguerá
plantas, quebrará o silêncio dos pássaros,
abrirá flores. Mais que isso: abrirá corações
e chamará mentes à reflexão. Em setembro,
imagino mais coisas que no restante do ano, uma produção
de pensamentos em larga escala, quase uma hemorragia do
pensar. E do sentir. E de acreditar que ainda há
o que fazer pela humanidade, e que a natureza das coisas
(e das pessoas) é a de florescer mesmo depois de
um rigoroso inverno.
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Do jornalismo à literatura,
ou vice-versa, Ariadne Lima é apaixonada
por letras. Jornalista, defensora do jornalismo literário
(junção de suas duas paixões), procura
ver e descrever o mundo usando as lentes da poesia. E-mail: ariadnemlima@yahoo.com.br
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