
10/08/07
O surto absurdo
Irrefreadamente segue o mundo,
acompanhado por suas “a” e imoralidades, impertinências,
desconexões, medos, arrependimentos, erros, absurdos.
Na maior parte do tempo procuramos a porta de saída
das nossas masmorras sofisticadas, estratégias resistentes
às nossas certezas apocalípticas. Constantemente
inventamos novos palcos, cenários, roteiros e personagens
para preenchermos o ócio do dia-dia, o oco que nos
constrói quando apenas nos propomos a viver; sem
ideais, planos, objetivos. Do contrário, assistimos
indolentes, o desenrolar dos fatos e somos co-autores das
situações que vivemos de olho no ponteiro
do relógio que insiste em girar.
É preciso que o inusitado nos seja revelado, que
consigamos encarar de frente as mazelas humanas e ver, por
outro ângulo, tudo o que, aos olhos de uma sociedade
hipócrita, é considerado normal. Essa verdade
que vivemos nos é imposta como realidade, como diria
Calderón de la Barca, algo como sabermos se a vida
é sonho ou não, se somos ou não loucos.
O que é a loucura em si? Já se questionava
Erasmo de Rotterdam.
Estamos vivendo uma falta de ar, uma asma universal. Caem
aviões, morre um homem bomba, comemos “maçãs
podres” (que representam nossos próprios desvios
individuais), somos hostis. Enquanto isso, a história
transcorre na pele. Clamamos revolução, estamos
em 64, em 2007, prevemos golpes, imaginamos um belo horizonte
belo, somos jesus, judas, madalena, gandhi, deus e o diabo.
Somos brasileiros universais, gregos, romanos, italianos,
americanos, índios, árabes (made in china).
Somos constantemente limpados com soro, lavados com sangue.
É preciso que sintamos cheiros, provemos sabores,
sonhemos sonhos, cuidemos do nosso umbigo porque só
temos um, leiamos, andemos, vivamos. É interessante
conseguirmos ser pacientes num mundo programaticamente acelerado,
testarmos a cegueira ao intentar descobrir um universo reservado
à tecnologia e à impregnação
mecanicista, provarmos a mudez enquanto percebemos, impotentes,
a sonoplastia cotidiana: ruídos naturais, artificiais,
falas, sons. Re-provar a audição: um sentido
incontrolável. Vamos então, devanear, buscar
a ironia que a realidade nos apresenta, rir da falta de
graça, das neuroses e atormentações
desse mundo imaginado por nós.
É com tamanha desventura que critico essa sociedade,
que, a cada dia, traz novos poetas mortos. Estive, no último
fim semana, num espetáculo teatral baseado na surpreendente
obra “Fando e Lis” do espanhol Fernando Arrabal.
Incoerentemente, a única sensação que
se fez presente em mim levava o mesmo nome da adaptação
do grupo, me perguntei: “E se eu não chorar?”.
E assim foi.
Enquanto alguns autores se engajam brilhantemente na vertente
do absurdo para deflagrar a relação das pessoas
e seus atos concomitantes, promovendo, assim, uma reflexão
acerca do surreal drama existencialista da sociedade em
que vivemos, encenadores superficiais insistem em buscar
o óbvio, o extremo habitual, a atuação
forjada para atingir entrances que poucos conseguem. Estou
apática e acho tudo isso um absurdo.
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Brisa Marques é
jornalista e atriz. Participou de dois curtas-metragens
e em 3 montagens como atriz. É co-autora dos livros
"Me conte a sua história 1" e "Me
conte a sua história 3", publicados pela editora
Saraiva. Acredita na arte, em qualquer uma de suas formas,
como a essência fundamental do ser humano. Escreve
todas as sextas-feiras.
Fale com ela: brisamarques@gmail.com
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