
09/11/07
Blue Chair
Ando com sede e preciso respirar.
Ando com sede de água potável e preciso respirar
ares limpos. Ando com medo de me tornar uma saudosista nata.
De gostar apenas de coisas e pessoas mortas. É que
meus ídolos estão morrendo. Sinto
falta de arte. De Autran, José, Cortázar.
Hoje, me incluo na velha porcentagem daqueles que não
andam tão felizes assim. Inclusive me incluo também
na categoria daqueles que apenas não andam. Você
aí, já parou pra pensar como andar faz sentido?
Como é algo inerente à nossa condição
de pessoa ativa, capaz, eficiente?! Eu que, há pouco,
andava, corria, jogava, gingava, de repente, parei. Maldita
medula que fica encravada no meio da espinha. Fez-me deficiente.
Alejada de tudo e todos. Ah, como é difícil
chegar à cozinha, ir ao banheiro, dar 5, 6,7 passos.
O importante é me incluir
socialmente, não é verdade, meu caro leitor?
Adaptar-me à nova situação, lutar contra
as barreiras e encarar de frente o preconceito. Realmente,
eu queria ser mais confiante, mais corajosa, engajada. Infelizmente
é que ainda tenho a incumbência de renovar
minha CNH, afinal de contas me tornei uma pessoa especial,
e em detrimento desse meu destaque frente à sociedade,
precisei mudar a minha documentação e, além
disso, comprar um carro adaptado para pilotar por aí.
Vou entrar na minha aeronave terrestre, descansar meus pés
(que não sentem a dor do joanete que começa
a crescer por causa do meu sapato novo) e acelerar com a
mão direita. Vrummm...
Pior é saber que, no
mercado, mesmo com o meu desconto previsto pela lei no ato
da compra, o carro mais barato que encontro na fábrica
custa R$38.000,00. Por que não posso ter um popular?
Além de ser especial ainda tenho que ter um Honda
Fit, um Peugeot ou Eco Sport? Ora, não venha me falar
de acessibilidade. Francamente, já me bastam os buracos
que tenho que me desviar ao tentar atravessar a calçada
da portaria do meu prédio para a rua. Pelo menos,
dentro do carro não serei foco de olhares alheios
toda vez que quiser dar uma voltinha - a não ser
pelo designer super arrojado daquele adesivo da blue
chair que todos conhecem e que pregarei em poucos
dias num carrinho que provavelmente pagarei em muitos anos.
Desculpe o desabafo e o baixo
teor informativo e cognitivo do meu texto. É que
meus ídolos estão morrendo. Sinto
falta de arte.
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Brisa Marques é
jornalista e atriz. Participou de dois curtas-metragens
e em três montagens como atriz. É co-autora
dos livros "Me conte a sua história 1"
e "Me conte a sua história 3", publicados
pela editora Saraiva. Acredita na arte, em qualquer uma
de suas formas, como a essência fundamental do ser
humano. Escreve todas as sextas-feiras.
Fale com ela: brisamarques@gmail.com
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