16/10/06
Penas alternativas resgatam cidadania
Experiência do Tribunal
de Justiça de Minas Gerais é saída
importante para recuperar o apenado, mas seus resultados
são pouco conhecidos pela população
André
Luis (foto ao lado) trabalha como jardineiro no Parque Municipal
da capital mineira. Adenilson como professor de capoeira
em uma Associação Comunitária. Trabalham,
mas poderiam estar presos. Julgados e condenados, foram
contemplados com as chamadas penas substitutivas, popularmente
conhecidas como alternativas. André Luis e Adenilson
estão entre os chamados "beneficiários",
que como o próprio termo indica, tiveram a vantagem
de cumprirem a pena em liberdade e prestando serviços
comunitários. Além dos apenados, a iniciativa
contribui também com a sociedade, que acaba sendo
beneficiada com os trabalhos que desenvolvem. Em Belo Horizonte,
essa iniciativa é uma criação do Tribunal
de Justiça, desde 1998.
André Luis de Oliveira,
26 anos, foi preso por dois anos e meio porque arrumou "uma
bagunça e alombrou a fita". "Me pegaram
e fui enquadrado no [artigo] 57. Como tinha feito um curso
de jardinagem e sempre trabalhei nesta área fizeram
uma avaliação e no mês passado me mandaram
aqui para o Parque Municipal para trabalhar de jardineiro",
diz. Para ele, trabalhar com as plantas no parque é
tudo que queria, na cadeia até sonhava com isso.
"Aqui tenho condições de até pensar
num futuro melhor, lá só vinha pensamento
ruim. Quero pagar a minha pena aqui e arrumar um emprego
de carteira assinada", reflete.
A avaliação a
que ele se refere fica a cargo do Setor de Fiscalização
de Penas Substitutivas (Sefips), criado em outubro de 1998
com base na Lei 9.714, que prevê que sentenciados
que cometeram delitos de menor potencial ofensivo não
irão mais para a cadeia. O Sefips pertence à
Vara de Execução Criminal de Belo Horizonte
(por sua vez, subordinada ao Tribunal de Justiça),
é multidisciplinar (conta com psicólogo, advogado
e assistente social) e faz o trabalho de fiscalização
e encaminhamento do apenado. Interage com as entidades,
com a família e ajuda o apenado na sua relação
com a sociedade. As penas alternativas devem ser olhadas
também pelo lado financeiro, já que o custo
de um preso por dia na cadeia gira em torno de R$ 1.700,00.
Convênios
O Sefips atende em média 21 pessoas por dia, e dez
delas são encaminhadas a algumas das entidades conveniadas
ao Sefips, todas com finalidade social, como parques, associações,
asilos, creches, delegacias, postos de saúde, escolas
municipais e estaduais e abrigos. Essas pessoas receberam
todas as modalidades de penas (penas peculiares: cestas
básicas e em espécie; prestação
de serviços). O índice de reincidência
é muito baixo não chega a 10%.
As penas alternativas são
aplicadas àqueles cidadãos infratores que
cometem crimes de pequeno e médio potencial ofensivo.
"O Código Penal brasileiro estabelece quem pode
experimentar a substituição da pena privativa
de liberdade por uma pena alternativa. A pena máxima
não pode ser maior do que quatro anos, o crime não
pode ter sido cometido por um ato violento ou grave ameaça
contra pessoa, o condenado não pode ser reincidente
e as circunstâncias judiciais ou seja, antecedentes
criminais, boa conduta, boa personalidade, a circunstância
e os motivos do crime- não podem ser desfavoráveis
a ele", explica o juiz Herbert Carneiro, titular da
Vara de Execuções Criminais. (Leia
aqui entrevista)
Para Valdir Lemos, sub-coordenador
do Sefips, o principal na pena alternativa é que
vários setores ganham com sua aplicação,
"O condenado é beneficiado com a pena substitutiva,
a entidade se beneficia com o seu trabalho e o estado economiza
com a não permanência do preso nas cadeias
públicas". Lemos explica que antes do beneficiário
ser encaminhado para a entidade para prestar serviços
à comunidade, os assistentes sociais e psicólogos
do Sefips realizam uma entrevista psico-social para saber
quais são as suas aptidões.
Foi em um destes testes que
descobriram que o negócio de Adenilson era dançar
a capoeira. E é graças a ele que a Associação
Comunitária do bairro Eldorado passou a ter aula
desta arte brasileira. O condenado por porte de arma foi
encaminhado para usar sua experiência de mestre em
capoeira para ensinar a criançada do bairro. Cumprirá
oito horas semanais neste trabalho comunitário nos
próximos dois anos e quatro meses.
Jardinagem e informática
"A parceria com os órgãos que encaminham
os jovens é fundamental para o funcionamento das
atividades sociais da Associação Comunitária",
conta Alan Vasconcelos, presidente da entidade conveniada
e que está habilitada a receber penados. Além
da capoeira, a entidade mantém uma Internet Comunitária
através do serviço dos beneficiários.
"Os computadores e equipamentos foram conquistados
através de emenda do orçamento do estado,
mas, como não temos rendimentos, não tínhamos
como colocar em funcionamento sem cobrar da população.
O mais caro era a mão de obra e como conseguimos
sem custos através desta parceria, atendemos mais
de cinqüenta jovens por dia sem cobrar nada".
O
Parque Municipal tem em média 40 pessoas cumprindo
penas alternativas todos os dias, trabalhando junto aos
105 funcionários efetivos. "Cuidam da limpeza
do parque, da catação, da jardinagem, atuam
em todos os tipos de serviços. A qualidade do parque,
do jardim, dos banheiros se dá muito em função
deste trabalho dos beneficiários da justiça,
se não fossem eles a gente não teria esta
qualidade que temos hoje", opina Edson Jacomino, o
chefe do Parque Municipal de Belo Horizonte (foto ao lado).
"A pena alternativa é uma oportunidade dada
a estas pessoas de pagarem o débito com a Justiça,
agregando valor à própria sociedade que eles
causaram algum malefício", completa Jacomino.
A equipe do serviço
social do Sefips fiscaliza mês a mês, no local,
para ver se o apenado está cumprindo ou não.
Se estiver descumprindo, ele vai ter uma audiência
com o juiz, pode perder o benefício e até
ser preso, como relata o chefe do Parque Municipal: "a
Justiça não só coloca o beneficiário
aqui dentro, o Sefips encaminha as assistentes sociais que
fazem um acompanhamento mensal, qualquer problema, eles
chamam o beneficiário até o juiz". E
completa: "se não houvesse o beneficiário,
a gente não teria esta qualidade que temos hoje,
porque há uma carência de mão de obra
e ele vem justamente suprir esta carência, principalmente
nos grandes eventos, como o Dia da Criança, em que
chegamos a atender mais de 25 mil pessoas".
Kerison Lopes e Fabrício
Marques
Fotos: Gilson M. Souza
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o funcionamento do Sefips (Setor de Fiscalização
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