16/10/06
Entrevista exclusiva: Juiz Herbet Carneiro,
da Vara de Execuções Criminais
"Sociedade ainda não
entende o caráter das penas alternativas", afirma
juiz
Em 2006, as penas substitutivas
alternativas completaram 22 anos de existência no
Brasil. Criadas em 1984 com a denominação
de penas restritivas de direito, que abrangia como pena
a prestação de serviços à comunidade,
limitação de final de semana, interdição
temporária de direitos, só 14 anos depois
é que sofreu uma alteração. Em 1998,
a Lei 9.714 ampliou a modalidade das penas alternativas
e foram criadas também outras modalidades de penas,
além daquelas já existentes outras como
prestação pecuniária, prestação
de outra natureza, perda de bens, valores. Só que
o costume da legislação brasileira é
o de que as penas alternativas são aplicadas para
os crimes chamados de médio e pequeno potencial ofensivo.
O juiz Herbert Carneiro, titular
da Vara de Execuções Criminais, a que o Sefips
é subordinado, conversou com a reportagem do EstudanteNet
sobre o significado, as dificuldades e outras questões
em torno da aplicação de penas alternativas.
Qual a principal dificuldade
em relação à pena alternativa no país?
É por parte da sociedade que às vezes não
entende o caráter da pena alternativa. Aí
você tem de reconhecer que a sociedade anda tão
assustada com a violência, tão mal informada
com relação à criminalidade, que a
gente reconhece que é crescente, mas que só
chega à sociedade o cometimento de crimes graves.
O que acontece é que esses crimes criam uma certa
comoção social e exigem leis mais duras. Daí,
quando se fala em pena alternativa, a sociedade pensa que
é um abrandamento que vai ser dado a um marginal,
uma "colher de chá" que está se
dando a um marginal. E não é isso, a pena
substitutiva não é para atender o reincidente,
aquele que comete crime grave. Ela tem um propósito
ressocializador, ela oferece a oportunidade ao cidadão
de se recuperar. Ao invés de ir para a prisão,
ele passa a cumprir uma pena sem perder o contato com a
sociedade, com seu meio social, com seu trabalho e com a
família.
Quais as metas e objetivos na aplicação
dessas penas?
As penas alternativas são aplicadas àqueles
cidadãos infratores que cometem crimes de pequeno
e médio potencial ofensivo. E o Código Penal
brasileiro estabelece quem pode ter a pena alternativa,
quem pode experimentar a substituição da pena
privativa de liberdade por uma pena alternativa. A pena
máxima não pode ser maior do que quatro anos,
o crime não pode ter sido cometido por um ato violento
ou grave ameaça contra pessoa, o condenado não
pode ser reincidente e as circunstâncias judiciais
ou seja, antecedentes criminais, boa conduta, boa
personalidade, a circunstância e os motivos do crime-
não podem ser desfavoráveis a ele.
Este apenado condenado vai
ter a pena privativa de liberdade substituída por
uma pena alternativa. Para aqueles crimes de penas não
superiores a dois anos, os crimes de pequeno potencial ofensivo,
existem os juizados especiais criminais tanto na área
estadual, quanto na federal. O cidadão primário
e de bons antecedentes é conduzido até os
juizados e lá ele faz uma transação
penal, proposta pelo Ministério Público, e
se sujeita a uma pena alternativa, que não é
nem pena, é uma medida despenalizadora, que pode
ser uma prestação de serviço, pena
pecuniária, ou privação de direitos.
E depois que a pena é cumprida?
Cumprida a pena, o procedimento a que ele se sujeitou perante
o juizado é extinto. Agora, para os de médio
potencial ofensivo, o cidadão se sujeita ao processo
criminal, é condenado a uma pena privativa de liberdade
e o juiz, com base na Lei Penal, examinando estes requisitos
que acabei de citar, ou seja, as circunstancias judiciais
- o juiz faz a substituição da pena privativa
de liberdade, por uma pena alternativa.
Mas ainda é pouco utilizada a pena substitutiva?
Antes da lei de 1998, apenas 2% dos sentenciados recebiam
penas restritivas de direito. Hoje, mais de 10% dos apenados
recebem penas substitutivas. Aqui na Vara de Execução,
40% ou 50% dos apenados que cumprem pena são praticantes
de crimes contra o patrimônio, de crime de roubo,
são apenados com cinco anos e quatro meses o
crime foi cometido com violência ou grave ameaça
contra pessoa. Este apenado não pode se sujeitar
à substituição. Não é
o caso de ser pouco utilizada, a utilização
é crescente. É preciso destacar ainda que,
dos 1.450 apenados em BH, o índice de descumprimento
deles é de menos que 15%, o índice de reincidência
é de menos de 10%. Se você observar um cidadão
que hoje é apenado com pena privativa de liberdade,
pena de cadeia, a reincidência é de mais de
80%.
A pena alternativa é consensual?
Sim. Hoje, já existe um consenso sobre a importância
das penas alternativas. Existe, sim, por parte dos juízes,
dos promotores, dos advogados uma disposição
muito grande e consciente de aplicar a pena substitutiva.
Como funciona a parceria com as entidades?
Nós já promovemos quatro seminários
com as entidades, "Penas alternativas: uma questão
de responsabilidade social". Nesses seminários,
as pessoas ligadas às creches, aos asilos, sentam
conosco, batem papo, contam casos, desabafam, contam a situação
dos apenados, as dificuldades das entidades, e a gente faz
a interação que é fundamental nesta
parceria para possibilitar, na parte deles, na sociedade
representada por estas entidades- a boa vontade de
nos ajudar, dando o feedback do efetivo cumprimento.
Qual é o grande entrave para este serviço
ser ampliado?
A dificuldade é orçamentária, dificuldade
financeira do próprio tribunal que, naturalmente,
tem suas dificuldades.
Mas se um preso custa R$ 1.700,00 por mês, não
seria um investimento?
Mas este custo é do Executivo, através dos
impostos, o Executivo é que paga. Essa estrutura
que tenho aqui é mantida exclusivamente pelo Tribunal
de Justiça, que não tem o papel de fiscalização
de execução de pena, não. Este trabalho
nós fizemos pela conscientização da
importância de se fiscalizar. Estes apenados todos
que estão aqui comigo deveriam estar, se eu estivesse
agindo nos termos da lei, sendo fiscalizados pelo
Executivo, que tem por obrigação
fiscalizar, não só a pena privativa de liberdade,
mas também as penas restritivas de direito.
Só que fiscaliza mal
as penas privativas de liberdade e nem sequer fiscaliza
as penas restritivas de direito. Então, o Judiciário
de Minas a Vara de Execução Criminal
de Belo Horizonte-, preocupada com esta situação,
preocupada com a impunidade, criou esta estrutura, por meio
do Tribunal de Justiça, há oito anos. Mas
este pessoal faz este trabalho porque o Tribunal tem a consciência
tem até um projeto chamado "Novos Rumos
da execução da pena", que busca humanizar
a execução da pena. Com esta visão,
o TJ criou a estrutura. Mas se nós estivéssemos
seguindo a legislação, ao pé da letra,
eu mandaria para a Superintendência de Segurança
e Movimentação Penitenciária para que
ela cuidasse de fiscalizar estes 1.450 cidadãos espalhados
pela cidade.
Kerison Lopes e Fabrício
Marques
|