17/04/07
Estágio:
aquisição de novos conhecimentos ou
mão de obra barata?
A
proposta sempre foi criar oportunidades de vivência
na prática daquilo que se viu em sala de aula. Além
de conhecer o mercado de trabalho, fazer contatos e adquirir
conhecimento. Mas, infelizmente, o estágio parece
dar margem à contratação de jovens
a baixo custo, isenção de encargos e desvio
de funções dentro da empresa. E, muitas vezes,
o saldo de uma jornada entre estágio e estudos, pode
ser negativo.
Os estudantes reclamam do valor das bolsas oferecidas pelas
empresas, muito aquém das mensalidades cobradas pelas
faculdades, desempenho de funções não
relacionadas às áreas de aprendizado e assédio
moral, mascarados em brincadeiras acerca do valor e da intelectualidade
dos estagiários. Por outro lado, o estágio
possui uma importância tão grande na formação
do profissional que quem não o faz, corre o risco
de ficar fora do mercado de trabalho devido à falta
de experiência.
Muitas
empresas aproveitam-se do fato de os jovens estarem cheios
de vontade de mostrar serviço, buscarem destaque
no cenário organizacional e visarem efetivações.
A produtora editorial e gestora cultural, Isabel Norte,
conta que foi humilhada por sua ex-chefe na presença
de diversos colegas de trabalho pelo fracasso de eventos
pelos quais não era responsável. "A proprietária
da empresa simplesmente descontou em cima de mim, estagiária,
um fracasso em que eu não tinha nem mesmo participação"
- desabafa.
Já
a jornalista Fernanda Marques presenciou um nítido
exemplo de desvio de funções e assédio
moral quando o ex-chefe contratou uma estagiária
estudante de design-gráfico e ordenou que a mesma
desenvolvesse tarefas administrativas. Quando ela demonstrou
falta de conhecimentos na função, ele gritou:
"Quem é o seu chefe?! Quem é o seu chefe?!
Então faça o que eu mandar!". Tal atitude,
para Fernanda, trouxe constrangimento à colega e
deixou bem claro a imoralidade abusiva do chefe.
Para
o estudante Marcos Eduardo Neri os principais pontos negativos
do estágio são o baixo salário e a
falta de autoridade. "Em alguns casos, a postura da
empresa é abusiva, principalmente quando o estagiário
exerce funções que normalmente são
feitas por profissionais efetivos, mas recebe um valor muito
inferior que os demais pela realização do
mesmo trabalho. Muitas vezes, o estagiário se sente
um zero a esquerda na empresa" - desabafa o estudante.
A
jornalista Fernanda Marques concorda que ganhar pouco, trabalhar
mais do que o horário contratado, fazer funções
de profissionais formados e não receber justamente
por isso é uma das piores condições
que o estagiário enfrenta atualmente. "Isso
é falta de compromisso e ética da empresa.
Se o contrato é de estágio subtende-se que
o estagiário está ali para aprender a profissão
e iniciar sua carreira e não para ser usado como
um "quebra-galho" de outras funções".
A jornalista conta que, em um dos estágios em que
foi contratada para fazer redação a colocaram
para fazer traduções. "Aproveitaram-se
do fato de eu dominar o idioma inglês, mas nunca recebi
justamente por esse trabalho. Foi um abuso" - denuncia
Fernanda.
Luz
no fim do túnel
Uma
alternativa para minimizar estas disfunções
é o supervisionamento do estágio, que pode
garantir a qualidade das atividades desenvolvidas, bem como
o cumprimento da proposta inicial. O prof. Dr. Jorge Luis
Risco Becerra, coordenador de Estágio da Engenharia
de Computação da Escola Politécnica
da USP, acredita que o acompanhamento dos coordenadores
e a apresentação de planos de estágio
no inicio do programa fazem com que não existam problemas
neste aspecto. Ele conta que são realizados, a cada
dois meses, workshops em que os estagiários participam
contando suas experiências no mercado de trabalho
e relatando o andamento do estágio. "Utilizamos
este evento para supervisionar qualquer desvio no estágio
e, até agora, não tivemos nenhum problema"
- relata o professor.
Adriane
de Carvalho, professora e coordenadora de estágios
dos cursos de Ciência da Informação
e de Sistemas de Informação da PUC-MG, explica
que a instituição se preocupa com a qualidade
das vagas de estágio que oferece. "As vagas
só são divulgadas aos alunos depois de analisadas
e aprovadas pelas coordenações de estágio
dos cursos. Desta maneira, evitamos a oferta de estágios
que não estejam relacionados com a área em
questão. Além disso, os estágios são
supervisionados por professores, o que limita algum tipo
de abuso ou compreensão inadequada quanto ao papel
a ser desempenhado pelo estagiário" - esclarece
a professora.
Entre
tantos prós e contras, o estágio continua
sendo a principal maneira de inserção do jovem
no mercado de trabalho. Para Becerra, o estágio é
de suma importância, pois representa a oportunidade
de o aluno conhecer o mundo empresarial, experimentar os
conceitos e teorias na prática, além de aprender
novas tecnologias e aspectos corporativos. Adriane de Carvalho
ressalta que a realização do estágio,
para o seu pleno aproveitamento, "deve ter como foco
a preparação dos alunos para o exercício
competente de sua habilitação profissional,
considerando o contexto da realidade social e econômica,
fundamentos éticos das relações humanas,
sociais e organizacionais". Ou seja, o estágio,
quando realizado dentro dos limites éticos e morais,
só tem a contribuir com a formação
do profissional e complementar o aprendizado adquirido em
sala de aula.
Cristina Mereu
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