25/06/08
Um delito de imigração
A "Diretiva
do Retorno", que também pode ser chamada de
Diretiva da Deportação ou da Vergonha, revela-se
uma verdadeira lei de expulsão dos imigrantes, violando
direitos fundamentais consagrados e fazendo retroceder conquistas
da humanidade estabelecidas na Declaração
Universal dos Direitos Humanos de 1948.
Gisele
Ricobom e Carol Proner*
No momento em que o
Brasil comemora os cem anos da imigração japonesa,
reconhecendo a colaboração desses imigrantes
na construção do nosso país, o Parlamento
Europeu aprova a chamada “Diretiva do Retorno”,
política de endurecimento à imigração
e que provoca reações indignadas de todos
os governos latino-americanos.
A diretiva, que entrará
em vigor em dois anos, tem como objetivo adaptar a Europa
aos novos tempos de liberalismo e globalização.
Após o Tratado de Maastricht, as legislações
nacionais de imigração foram reformadas. Os
processos para obtenção de vistos para estudantes
e trabalhadores passaram a observar rigorosos procedimentos
e houve redução progressiva no direito de
asilo. Nos últimos tempos, tornaram-se comuns as
deportações injustificadas de latino-americanos
em aeroportos da Europa e as cruéis deportações
de africanos sobreviventes de Gibraltar.
Segundo o texto da diretiva,
aqueles imigrantes que não regressarem aos seus países
de origem voluntariamente em até 30 dias, poderão
ser detidos por até 18 meses. A formulação
é ambígua e traduz verdadeira obrigação
acompanhada de ameaça, um “delito de imigração”.
Ademais, o estrangeiro
que tenha sido deportado terá interdição
de entrada de até cinco anos, não podendo
retornar aquele país durante esse período,
em ação similar ao instituto da expulsão.
Esse período poderá ser ainda maior em caso
de a detenção ter como causa ameaças
à segurança. De acordo com a diretiva, até
mesmo crianças poderão sofrer a detenção,
ainda que gozem de tratamento diferenciado.
A situação
que causou maior polêmica foi o custeamento da assistência
jurídica aos detentos, visto que alguns países
estavam reticentes em arcar com esses custos. Na dúvida,
será prerrogativa do Estado oferecer ou não
a assistência jurídica gratuita. Portanto,
dependendo do país, se o estrangeiro não tiver
condições de custear a defesa dos seus direitos
básicos, poderá ficar sem qualquer auxílio.
A Diretiva da Deportação
ou da Vergonha revela-se uma verdadeira lei de expulsão
dos imigrantes, violando direitos fundamentais consagrados
e fazendo retroceder conquistas da humanidade, como os artigos
2, 3, 5, 6, 7, 8 e 9 da Declaração Universal
dos Direitos Humanos de 1948, em particular o artigo 13
que reza:
I) Toda a pessoa tem
o direito de livremente circular e escolher a sua residência
no interior de um Estado.
II) Toda a pessoa tem
o direito de abandonar o país em que se encontra,
incluindo o seu, e o direito de regressar ao seu país.
Inspirados em ideologias
de natureza xenófobas, que ignoram a motivação,
os laços familiares, laborais, as intenções
e a importância dessas pessoas para o desenvolvimento
da economia européia, o Parlamento Europeu provoca
a comunidade internacional para a pior reação
possível, a legítima e soberana aplicação
do princípio da reciprocidade.
A América Latina
acolheu a miséria e o desespero dos emigrantes europeus
em diferentes levas, sempre com respeito e humanidade. Chegaram
cansados, com medo e desesperançados, sem documentos
ou visas, e foram simplesmente bem vindos. O fenômeno
migratório faz parte da história da humanidade
e a Europa de hoje esquece o seu passado. Não pretende
compartir os benefícios da globalização
que aufere vendendo produtos e ampliando o comércio
dentro dos mesmos países que agora pretende desrespeitar.
* Professoras
de Direito Internacional da UniBrasil. (giselericobom@hotmail.com
e carolproner@uol.com.br)
Fonte Carta
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