
03/10/08
Orkaos!
Se, por um lado, as
tecnologias ajudam a quebrar fronteiras e a aproximar tudo
e todos, de outro, as novidades não se encontram
prontas para oferecer suporte ao despreparo psicológico
dos seres humanos. E que inovação resistiria
à complexidade e aos efeitos do comportamento rasteiro
dos homens diante do que, sem ressalvas, poderia ser uma
revolução positiva da comunicação?
O Orkut,
talvez, seja o melhor exemplo de como a loucura humana não
tem fim e de como as ferramentas virtuais colaboram para
acentuar as mais bizarras e insanas reações.
Hoje, por exemplo, somos obrigados a assistir à manifestação
de usuários que clamam pela privacidade, bradando
ao mundo que apagam suas mensagens e que os curiosos não
são bem-vindos. Por outro lado, os mesmos simpáticos
estão em fóruns e comunidades cujo propósito
é, justamente, revelar aos olhos alheios que lá
estão, seja tirando sarro, seja mandando recados,
tais como “Já superei...”, “Sou
legal, não tô te dando mole” ou “Sua
inveja faz a minha fama”.
Mexer com o ego e com
a vaidade do ser humano é tão perigoso que
nem ele se localiza. Redes sociais aproximam privado e público
de tal forma que nem mesmo os que se revoltam com a exposição
têm clara idéia do que desejam esconder. Se,
ao mesmo tempo, uma pessoa não pretende ser um foco
noticioso, mantendo, por isso, seus contatos e relacionamentos
longe do alcance de bisbilhoteiros, por outro, os mesmos
sabichões adoram que seus vídeos, links, fotos
e recomendações textuais de perfil traduzam
ou indiquem as pessoas que verdadeiramente são. Informações
que, no fundo, uma vez preenchidas, interessam apenas aos
outros. Ou você precisaria ler o “quem sou eu”
de seu perfil para saber quem é?
Relacionamentos, então,
já deixaram a esfera do momento DR (Discutir a Relação)
para priorizar a hora de DRV (Discutir a Relação
Virtual). É incrível como a exposição
de fotos e o simples contato em uma rede social mexem, de
forma doentia, com os sentimentos. Por uma foto, uma cor
de texto, um desenho ou frase, pessoas se mostram dispostas
a brigar, por já associar conversas virtuais a traição
ou a um sinal de que ele/ela “não me ama mais”.
E a existência do DRV se faz mais evidente no momento
em que casais ou se retiram definitivamente do site, para
evitar conflitos, ou então passam a compartilhar
um único e dúbio perfil (“Não
existem segredos entre nós. Afinal, somos um só.
Não é, amor?!”).
É fato que sempre
tivemos e teremos contatos externos aos nossos relacionamentos.
Mesmo porque personalidades não se fundem. Ao contrário,
complementam-se. Sempre. O problema é que, no momento
em que a exposição de privacidade torna-se,
simultaneamente, objeto de delírio egocêntrico
e reflexo de invasão de espaço, passamos a
flutuar sobre os limites de nossas próprias identidades
e de nossas relações de confiança.
E uma simples rede social, que teria o mero propósito
de resgatar e aproximar contatos, passa a representar um
novo atalho para o caos.
O ponto é que
passamos a discutir mais por cada vez menos. Hoje, é
indiscutível, embora não menos incompreensível,
o peso de um questionamento de contato virtual. No referido
site, a essa altura, as pessoas pensam, realmente, ter o
direito de confrontar seus parceiros até saber quem
é aquela pessoa da lista, por que ela está
lá e o que foi respondido para que ela, num atrevimento
inacreditável, enviasse um “sorriso”.
Em meio a isso, é sempre bom lembrar, estão
ameaças de término de namoro, exigências
e pressão. Será mesmo que a tecnologia pretendia
enfurecer e fragilizar a relação dos enamorados?
Você acredita, de fato, que uma pessoa não
pode ter um contato privado e, com ele, manter tão-somente
uma conversa amistosa?
Talvez seja tudo uma
impressão errada, um excesso de má vontade.
Enfim, tudo pode ser. Mas que o virtual nos fez desandar
em nossos valores e referências de confiança,
fez. É possível aprender a lidar com isso?
É claro que sim. Mas não sem antes conhecer
e admitir os exageros de nossas próprias reações.
Só assim o sorriso que “aquela fulana”
mandou para o seu namorado deixará de ser um indício
de traição e, quem sabe, mais adiante, passará
a ser um reservado diálogo sobre a sua festa-surpresa.
Aliás, não foi esse o recado que você
mandou para ele ao entrar no fórum “Surpreenda-me”?
Ah, estou violando a sua privacidade ao observar suas comunidades?
Desculpe-me...
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2007
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Guilherme Amorim
é um mineiro simples, metido
a organizado e que sobrevive sem estantes. Além de
devoto da Mega Sena, irônico e canhoto fervoroso,
é jornalista e criador/apresentador do programa Espátula,
veiculado na iRadio. Escreve mensalmente na coluna Trejeitos.
E-mail: guilbh@gmail.com
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